A eleição indireta dos presidentes e vice-presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), prevista para outubro, representa “uma verdadeira decisão no sentido de regionalizar”, considera Fernando Gonçalves, especialista em Direito Autárquico, rejeitando problemas de constitucionalidade.

“Enquanto jurista, não me choca nada que o poder central abdique de um poder seu e o passe para as Câmaras Municipais de uma determinada região, que permite que essas Câmaras Municipais elejam o presidente da CCDR. Agora, era importante assumir-se isso com um passo no sentido da regionalização”, afirmou Fernando Gonçalves, em declarações à agência Lusa.

Em causa está a alteração da orgânica das CCDR, por apreciação parlamentar na Assembleia da República em 23 de julho deste ano, com os votos a favor do PS e PSD e sem o apoio dos restantes partidos, a fim de alterar a forma de designação do presidente e dos vice-presidentes das cinco CCDR – Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve -, que até agora eram nomeados pelo Governo.

“O Governo pode argumentar, com toda a legitimidade, que não é regionalização, porque apesar de o conjunto das Câmaras Municipais de uma determinada região poderem eleger o presidente da CCDR, em nada são alteradas as competências da CCDR”, explicou o especialista em Direito Autárquico, argumentando que, embora “um reforço de autonomia do poder local”, a transferência de competências do poder central para a administração local é “uma verdadeira decisão no sentido de regionalizar”.

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Entre juristas, há posições divergentes sobre a inclusão desta lei num processo de regionalização, ressalvou Fernando Gonçalves, referindo que esta “é muito mais matéria de discussão política do que propriamente jurídica”. Lembrando a posição contra a regionalização do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o jurista considerou que a transferência de competências para a eleição indireta do presidente e de um vice-presidente das CCDR só faz sentido acontecer após um referendo sobre a regionalização em Portugal, “em que os portugueses digam sim à regionalização, porque até lá qualquer passo que seja dado vai à revelia da vontade dos portugueses”.

“Independente do acordo das autarquias, elas passam a ter o poder efetivo de eleger quem manda na CCDR da sua região e isto, quer queiramos, quer não, é uma regionalização. Pode ser disfarçada, pode ser menos assumida, mas era bom que, de uma vez por todas, se decidisse se vamos ter regionalização ou não”, defendeu.

Sobre a expectativa para primeira eleição indireta nas CCDR, anunciada para outubro, Fernando Gonçalves prevê que a alteração da forma de designação dos presidentes e vice-presidentes “não venha a causar um turbilhão político”. Sem avançar nomes, referiu que há regiões onde é expectável que a pessoa que o Governo escolheria e a pessoa que vai ser eleita coincidam. “Informalmente, já se saberá praticamente em todo o lado quem será o provável presidente da CCDR de cada região, não é nada difícil de saber isso”, adiantou.

Sobre o acordo entre PS e PSD noticiado pelo Público, o especialista disse que é “uma inevitabilidade desta lei”: os partidos que detêm as Câmaras Municipais vão dominar o processo de escolha, pelo que “é evidente que as nomeações resultarão, inevitavelmente, do que for decidido nos bastidores entre os respetivos partidos”.

“Não é a questão jurídica que está em causa, é até a democraticidade do sistema, mas isso é uma questão política”, apontou.

“É verdade que isto resultará dos arranjos e dos acordos entre o PS e o PSD, que são os grandes detentores das câmaras municipais, mas certo é que, até à entrada em vigor desta lei, resultava apenas da vontade de um partido, que era o partido que estava no Governo”, advogou Fernando Gonçalves, acrescentando que o Governo pode sempre dizer que é um reforço na democracia.

O diploma que altera a orgânica das CCDR entrou em vigor em 18 de agosto, com o regulamento a ser publicado em 28 de agosto, determinando que a convocatória para o ato eleitoral é formalizada por despacho do membro do Governo responsável pela área das autarquias locais, “com a antecedência mínima de 30 dias relativamente à data da sua realização”. No caso dos presidentes, a eleição decorrerá por um colégio de autarcas, constituído pelos presidentes das câmaras municipais, presidentes das assembleias municipais, vereadores e deputados municipais, incluindo os presidentes das juntas de freguesia.

Os mandatos para os presidentes e vice-presidentes de cada uma das cinco CCDR serão de quatro anos e a respetiva eleição decorre nos 90 dias seguintes às eleições para os órgãos das autarquias locais. No entanto, excecionalmente, este ano decorrerão em outubro e o mandato será de cinco anos, com o objetivo de que os novos eleitos possam acompanhar as negociações de fundos estruturais que estão a decorrer com Bruxelas.