A Associação Portuguesa de Nutrição (APN) promete uma reflexão abrangente no seu congresso ‘online’, entre quarta e quinta-feira, sobre o futuro da alimentação e os desafios da sustentabilidade, adiantou esta sexta-feira a presidente da instituição, Célia Craveiro.

“O que queremos é projetar a próxima década para que realmente se comece a ter ações concretas para haver cada vez mais um desenvolvimento sustentável, e esse desenvolvimento passa também por desafios alimentares e por todos os conceitos relacionados com a nutrição”, explica à Lusa a líder da APN, vincando que “são muitos os desafios, ainda maiores agora por causa da pandemia”.

A 19.ª edição do Congresso de Nutrição e Alimentação da APN tem prevista a participação de cerca de 1.500 profissionais através da Internet, em consequência da pandemia de Covid-19, que Célia Craveiro diz estar já a ter “impacto na alimentação e no acesso à alimentação”, tanto a nível nacional como internacional, e face à qual os especialistas em nutrição devem intervir.

“É uma realidade que tem de ser trabalhada com todos os intervenientes, não só da saúde, mas também da área municipal ou da segurança social. Quem trabalha no setor alimentar e nas áreas da nutrição e da investigação tem, claramente, a responsabilidade de dar o seu contributo para que se consigam alterar os padrões alimentares e hábitos de vida inadequados, especialmente por desigualdades sociais“, observou. A evolução da consciência social sobre o impacto da alimentação e dos estilos de vida na saúde é vista pela presidente da associação como “uma das grandes conquistas” do século XXI. Contudo, Célia Craveiro defendeu que a transformação dessa consciencialização em mudanças reais na sociedade não pode ser exclusivamente empurrada para as mãos dos consumidores. “Temos de ter em consideração que a população está em crescimento, que há muito a fazer e que esse trabalho não pode ser só colocado em cima do consumidor. Tem de ser partilhado com os decisores políticos e as empresas. É cada vez mais importante essa ação coordenada”, notou, salientando a educação nutricional dos jovens como “um ponto chave” para os próximos anos.

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Apesar de admitir que, “possivelmente, uma década não chegará” para desenvolver alterações duradouras nos hábitos alimentares dos portugueses, a responsável apelou ao reforço do investimento e do trabalho neste campo, lembrando também o Programa de Sustentabilidade nas Escolas já lançado pela APN. “O impacto da informação e da boa formação demora algum tempo, mas o impacto nas crianças terá efeito nas suas escolhas informadas. Todas essas ações de consciencialização têm de ser acompanhadas de um ambiente alimentar que vá ao encontro daquilo que se pretende: equilibrado e sustentável”, referiu.

Segundo Célia Craveiro, uma das maiores incógnitas da atualidade prende-se também com a “fase dicotómica” do que é sustentável e que coloca em rota de colisão uma tendência de globalização de sabores com o respeito por produtos de proximidade e sazonais. Nesse sentido, deixou um apelo à indústria agroalimentar para a inovação nos produtos e nos processos de fabrico, rumo a uma maior sustentabilidade e um menor impacto da produção.

“O sistema de abastecimento alimentar é um desafio e está de tal forma montado que nós, hoje, temos acesso a uma parafernália de alimentos que há alguns anos não tínhamos. Muitas vezes, aquilo que achamos que é local ou nacional já não o é de todo, acabámos por globalizar a alimentação. E é interessante a globalização alimentar, mas ela tem um impacto que deve ser pensado e medido”, alertou.

Questionada sobre a ascensão de tendências alimentares como o vegetarianismo ou o ‘veganismo’, a presidente da APN reconheceu o valor destas opções no plano ambiental ou alimentar. Porém, Célia Craveiro manifestou a preferência por “um certo ‘flexitarianismo'” e assinalou inclusivamente que, “em Portugal, seria ótimo a norma ser a dieta mediterrânica”, algo que, no entender da líder da associação, “ainda está longe” de ocorrer.