Em novembro do ano passado, há menos de um ano, o Chelsea surpreendeu o universo do futebol feminino quando se superiorizou ao Lyon, ao Barcelona e a muitos outros e garantiu a contratação de Sam Kerr, a australiana que é nesta altura uma das melhores avançadas do mundo. A chegada da melhor marcadora de sempre da liga norte-americana era, porém, um simples primeiro passo: na semana passada, o Chelsea entrou definitivamente na história e mostrou que a aposta no futebol feminino não é um mero golpe de marketing.

E de repente, o Chelsea ganhou a corrida por Sam Kerr, uma das melhores jogadoras do mundo

O clube de Londres, campeão inglês em título, anunciou a contratação de Pernille Harder, internacional dinamarquesa de 27 anos que nas últimas três épocas marcou 105 golos ao longo de 114 jogos pelo Wolfsburgo. A avançada, também ela considerada uma das mais letais da atualidade, tornou-se ainda a transferência mais cara da história do futebol feminino: o Chelsea desembolsou 350 mil euros pela avançada, um valor que nunca tinha sido praticado na modalidade. Em comparação, e numa disparidade que vinca as diferenças da evolução no futebol masculino e feminino, o também dinamarquês Harald Nielsen também se tornou o jogador mais caro de sempre quando custou o equivalente a 350 mil euros ao Inter Milão, vindo do Bolonha — num negócio feito em 1967, há mais de 50 anos. Atualmente, como se sabe, a transferência mais cara continua a ser a de Neymar do Barcelona para o PSG, em 2017, a troco de 222 milhões de euros.

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Pernille Harder, porém, é apenas o topo do icebergue da vaga de fundo que tem estado a ter lugar em Inglaterra. A avançada dinamarquesa — que em Londres vai jogar ao lado da namorada, a sueca Magdalena Eriksson, há três anos nos blues — foi apenas um dos vários nomes femininos que ecoaram no país nas últimas semanas. Para além do regresso da inglesa Lucy Bronze ao Manchester City, depois de três anos no Lyon onde foi três vezes campeã europeia, esta janela de mercado tem assistido principalmente a contratações de várias internacionais norte-americanas por parte de clubes ingleses. Ou seja, a Women’s Super League, como é denominada a liga inglesa de futebol feminino, é agora o campeonato europeu mais atrativo para aquelas que são quase unanimemente consideradas as melhores e mais competitivas jogadoras do mundo.

Rose Lavelle, um dos nomes mais importantes para a conquista do Mundial de 2019 por parte dos Estados Unidos, trocou o OL Reign pelo Manchester City; Sam Mewis, outra internacional norte-americana, também se juntou aos citizens; e a dupla Tobin Heath e Christen Press, com lugar cativo nas convocatórias dos Estados Unidos e ambas a jogar no país natal, está muito perto de assinar pelo Manchester United. Às norte-americanas, junta-se a francesa Valérie Gauvin e as suecas Nor Mustafa e Noëlle Maritz, que reforçaram Everton, West Ham e Arsenal, respetivamente, e ainda uma portuguesa, a internacional Diana Silva, que deixou o Sporting para rumar ao Aston Villa.

Sarina Wiegman, a “chosen one” que os ingleses querem para roubar a hegemonia do futebol feminino aos Estados Unidos

Depois de ter começado a ter expressão nos Estados Unidos e no Brasil, de explodir na Europa através dos países escandinavos e de ter agora no Lyon e em França os clubes mais poderosos, o futebol feminino parece ter finalmente chegado a Inglaterra. A Women’s Super League quer tornar-se equivalente à Premier League em relevância, qualidade e importância e a atual janela de mercado parece estar a ser o primeiro passo definitivo rumo a esse objetivo. Um objetivo que se estende também até à seleção, onde Inglaterra já anunciou a contratação de Sarina Wiegman como nova selecionadora, a holandesa que nos últimos anos foi campeã europeia e vice-campeã do mundo com a Holanda.

A lógica, à partida, até parece simples de entender. Ao invés do que acontecia anteriormente e antes da profissionalização quase generalizada dos principais clubes ingleses, as administrações dos emblemas davam sempre prioridade à equipa masculina quando existia dinheiro para investir no futebol. Se existia pouco dinheiro, era canalizado para contratações mais modestas no futebol masculino; se existia muito dinheiro, era aproveitado para contratações mais sonantes no futebol masculino. Agora, a lógica alterou-se: se existe pouco dinheiro, é dividido entre contratações mais modestas para as duas equipas; se existe muito dinheiro, é distribuído entre contratações mais sonantes para as duas equipas. E o exemplo paradigmático disso mesmo, mais uma vez, é o Chelsea — se para o conjunto feminino chegaram Sam Kerr, Pernille Harder, Melanie Leupolz e Jessie Fleming, para o masculino chegaram Timo Werner, Thiago Silva, Kai Havertz e Ziyech. Uma janela de transferências bem conseguida por parte dos blues, em ambos os quadrantes, que atrai desde já muita atenção para a próxima temporada das duas equipas.