Depois de sessões, apelos, discursos, comunicados e muitas notícias a maior corrida da carreira de Caster Semenya parece ter acabado sem uma vitória. Esta terça-feira, um tribunal federal suíço recusou o apelo apresentado pela atleta sul-africana e confirmou a decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), atestando que as mulheres com níveis altos de testosterona terão de tomar medicação para competir internacionalmente em distâncias acima dos 400 metros.

A decisão do tribunal suíço acaba por ditar, quase definitivamente, que Caster Semenya não poderá defender o título olímpico nos Jogos de Tóquio: a sul-africana de 29 anos, campeã olímpica dos 800 metros nas edições de 2012 e 2016, recusa ser administrada com qualquer tipo de medicação para reduzir o nível de testosterona no organismo e, tendo em conta as regras que já são aplicadas pela World Athletics, não poderá competir.

“Tendo em conta as provas, a decisão do TAD não pode ser contestada. A justiça no desporto é uma preocupação legítima e forma um princípio central da competição desportiva. É um dos pilares em que a competição se baseia”, pode ler-se na decisão final do tribunal suíço, que acrescenta ainda que a existência de regras específicas para estes casos — normalmente designados como atletas com “diferenças no desenvolvimento sexual” — é “necessária, razoável e proporcional”.

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Já Caster Semenya, que era praticamente imparável desde que as novas regras foram colocadas em prática, mostrou-se “desiludida” com a decisão mas recusou a ideia de baixar os braços. “Não vou deixar que a World Athletics me drogue ou me impeça de ser quem eu sou. Excluir atletas ou colocar a nossa saúde em risco simplesmente por causa das nossas capacidades naturais coloca a World Athletics do lado errado da história. Vou continuar a lutar pelos direitos humanos das atletas, tanto em pista como fora dela, até que possamos todas correr livremente da forma como nascemos”, explicou a sul-africana, que além dos dois ouros olímpicos foi ainda três vezes campeã mundial dos 800 metros (2009, 2011 e 2017).

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As regras atuais da World Athletics, confirmadas pelo TAD e agora pelo tribunal federal suíço, exigem às atletas consideradas “hiperandrógenas” — ou seja, que produzem níveis de testosterona superiores àquilo que é considerado normal para as mulheres — uma redução destes índices através do uso de medicamentos, para que possam participar nas provas internacionais de distâncias superiores aos 400 metros.

Estabelecer um limite para estes níveis de testosterona, porém, tem sido um desafio para o organismo que regula o atletismo internacional. Até meados do século XX, o mecanismo usado era a verificação visual dos genitais externos, mas o teste foi eliminado por ser “inconclusivo” e “humilhante”. Depois, passaram a ser realizados testes genéticos para se verificar a inexistência do cromossoma Y em mulheres — um método que também não se mostrou conclusivo.

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Os Mundiais de 2009 voltaram a colocar o assunto em cima da mesa, quando Caster Semenya venceu nos 800 metros. Várias atletas da mesma prova questionaram, inclusivé, se a sul-africana seria ou não uma mulher e a Federação Internacional de Atletismo (IAAF) acabou por exigir que Semenya realizasse um teste de verificação sexual. A avaliação concluiu que a atleta era mulher — mas que tinha níveis de testosterona acima do normal quando comparada com outras mulheres, uma síndrome conhecida como hiperandrogenismo.

Dois anos depois, em 2011, a IAAF exigiu a todas as atletas que a sua concentração de testosterona fosse menor do que “10nmol/l” de sangue, submetendo-as a tratamentos hormonais que provocavam, por sua vez, perda de desempenho. Contudo, esse limite foi retirado em 2015 pelo TAD, que entendeu não existir base científica suficiente. Com o argumento de garantir uma “competição justa”, as regras atuais da IAAF estabelecem então um limite de “5nmol/l de sangue” para provas acima dos 400 metros. O atletismo mantém-se, desta forma, a única modalidade que limita a participação de atletas com hiperandrogenismo.