Em setembro de 2018, há dois anos, Kareem Abdul-Jabbar utilizava a habitual coluna de opinião no The Guardian para abordar um dos tópicos menos destacados no desporto de alta competição: o final da carreira. “Quando os atletas se retiram, enfrentam a pergunta mais difícil: ‘Quem sou eu?’. As estrelas do desporto passam a juventude a ser elogiadas pela sua graça e força. Como é que nos mantemos relevantes na sociedade para lá de falarmos sem parar sobre os nossos dias de glória?”, questionava o antigo jogador de basquetebol. Para Ben Foster, guarda-redes do Watford, a resposta à pergunta não é assim tão complicada.

“Quero ser ciclista depois do futebol. Vou dar total e exclusiva atenção às próximas duas temporadas e depois há tanta coisa que quero fazer na minha bicicleta, todas estas subidas maravilhosas. Os Alpes, todas as corridas famosas — a Vuelta, o Giro –, até algumas das mais loucas. Há uma corrida nos Estados Unidos que se chama Dirty Kanza que é mesmo suja — gravilha, tudo sujo, acampar nos arbustos. Vai ser uma maravilha. Mal posso esperar”, explica o guarda-redes de 37 anos em entrevista ao The Guardian, antecipando desde já que deve terminar a carreira no final da época 2021/22.

Manchester United Training Session and Press Conference

O guarda-redes esteve cinco anos no Manchester United, onde ainda se cruzou com Cristiano Ronaldo, mas pelo meio passou algumas épocas emprestado

Foster, que se apaixonou pela bicicleta depois de passar muito tempo em duas rodas para recuperar de três lesões nos ligamentos, está à beira de começar a 19.ª época como jogador profissional — depois de passagens, principalmente, pelo Stoke City, o Manchester United, o West Bromwich Albion e o Watford e oito internacionalizações pela seleção inglesa. A terceira temporada em Vicarage Road trouxe-lhe um desafio que não tinha há 16 anos, o Championship, depois de a equipa não ter conseguido evitar a despromoção ao segundo escalão do futebol inglês. “Pode ser uma coisa boa porque às vezes os clubes precisam de uma limpeza, de uma oportunidade para o sangue novo chegar e dar energia ao sítio. Temos vários jogadores entusiasmantes, como é o Domingos Quina. Quando chegam ao treino dá para ver que ainda estão a viver aquele sonho de infância”, diz o guarda-redes, elogiando o internacional Sub-20 português que passou pela formação do Benfica.

A viver numa quinta na zona rural de Warwickshire, a região onde nasceu William Shakespeare, Ben Foster tem uma paixão especial pela cozinha e chegou a ser um aprendiz de chef num restaurante antes de se dedicar por inteiro ao futebol. Criador de emus, lamas e pavões, tem o talho como local favorito no sítio onde vive. “Podes aparecer lá amanhã e eles têm coelho, lebre, veado, língua de vaca, qualquer coisa. Experimento tudo e vou sempre à procura de algo um bocadinho peculiar, um bocadinho estranho, para poder encontrar uma boa receita”, conta ao The Guardian. Por isso, talvez, por ter tantos interesses que se afastam de forma empírica dos relvados, é que Ben Foster tem alguma dificuldade em rotular-se como jogador de futebol.

“Se me perguntarem o que sou, diria que sou um pai, sou um marido, que adoro ciclismo, que jogo futebol como profissão, blá blá blá. Mas o problema aparece quando as pessoas dizem logo: ‘Sou jogador de futebol’. Vá lá, meu. Não és, és um ser humano primeiro. Mas isso vem com a idade. E isso é aquilo que as pessoas têm de meter na cabeça, que são pessoas antes de tudo. As pessoas olham para nós como este ativo, este jogador, mas somos uma pessoa antes de tudo isso”, acrescenta o guarda-redes, o pai, o marido e o futuro ciclista.

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