“Em Fúria”

Um gordíssimo Russell Crowe interpreta aqui um homem que matou a ex-mulher, o namorado dela e pôs fogo à casa onde dormiam. E depois começa a perseguir no seu jipe uma divorciada (Caren Pistorius) que tem um filho adolescente e a vida toda complicada, e a matar as pessoas que lhe são próximas, porque ela lhe apitou com força num sinal verde e depois foi agressiva e não pediu desculpa.

Realizado por Derrick Borte, “Em Fúria” tem pretensões “sociológicas” e faz menção de querer dizer coisas importantes sobre a degradação cívica e o aumento da violência ao volante nas sociedades contemporâneas, sobretudo nas grandes cidades. Mas nem sequer consegue seguir devidamente os códigos do filme de “psycho killer” em que se inclui, acumulando os clichés e as inconsistências (a começar pelo facto da personagem de Pistorius não ter palavra-passe no telemóvel).

A presença de um ator com o estatuto de Crowe numa mediocridade como “Em Fúria” só pode ter duas explicações: ou os bons papéis não abundam mesmo, nem sequer para uma estrela como ele, ou apeteceu-lhe interpretar um vilão. Só que a escolha saiu-lhe furada, porque o seu condutor em fúria destruidora e assassina é um estereótipo com duas pernas e sobre quatro rodas.

“Ordem Moral”

A história de Maria Adelaide Coelho da Cunha, rica e culta filha do fundador do “Diário de Notícias”, casada com o seu diretor, Alfredo da Cunha, e que em 1918 protagonizou um enorme escândalo, ao fugir com o ex-motorista da família, um ano mais velho que o seu filho, sendo depois dada como louca e encarcerada num manicómio pelo marido, já foi contada várias vezes nos media portugueses. Deu ainda origem a um filme, “Solo de Violino”, de Monique Rutler, em 1990, e a um livro da jornalista Manuela Gonzaga, “Louca Não, e Não!”, e é sobejamente conhecida.

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O argumentista Carlos Saboga e o realizador Mário Barroso acharam que valia a pena contá-la mais uma vez, e eis “Ordem Moral”, um filme claramente melhor que “Solo de Violino”, com Maria de Medeiros no papel de Maria Adelaide Coelho da Cunha e onde sobressai um esforço de recriação de época que não se fica só pelos ambientes e pelo guarda-roupa, procurando também captar as mentalidades e a atmosfera social de há um século em Portugal. Falta-lhe só uma chama dramática mais forte, e é pena que não se tenham explorado as implicações políticas da história, já que Alfredo da Cunha era maçon e o motorista carbonário, o que segundo alguns terá levado ao seu despedimento e à sedução, por despeito, da antiga patroa.

“Roubaix, Misericórdia”

Já foi uma próspera urbe industrial do norte de França, mas Roubaix é hoje uma das cidades mais problemáticas deste país, em acelerada decadência urbana e com altos índices de desemprego, pobreza e criminalidade, e com uma população onde abundam os imigrantes europeus e do norte de África. Roubaix é também a cidade em que nasceu o realizador Arnaud Desplechin e onde ele regressou para rodar “Roubaix, Misericórdia”, passado nos seus bairros mais degradados e perigosos, e nas suas ruas mais tristonhas.

O filme inspira-se num crime real ocorrido na cidade nos primeiros anos deste século, e remete – sobretudo no que respeita aos depoimentos das assassinas, transcritos quase literalmente – para um documentário para a televisão sobre o mesmo, “Roubaix, Comissariat Central, Affaires Courantes”, de Mosco Boucault. Homem paciente, experiente e solitário, o comissário Daoud (Roschdy Zem) é filho de emigrantes argelinos, comanda uma esquadra numa das zonas mais duras da cidade e lidera a investigação a um caso de fogo posto e de assassinato de uma idosa quase indigente, numa zona miserável da cidade. “Roubaix, Misericórdia” foi escolhido como filme da semana pelo Observador e pode ler a crítica aqui.