Morreu Shere Hite, autora de “Relatório Hite”, livro que, no final da década de 70, revolucionou a abordagem do tema sexo, sobretudo na perspetiva feminina, salientando a importância do papel da mulher nas relações sexuais. A notícia chegou no final desta semana. Hite morreu na passada quarta-feira, em Londres, depois de ter sido diagnosticada com Parkinson e Alzheimer há vários anos. Tinha 77 anos.

Considerada uma feminista pioneira, foi uma voz proeminente de um discurso sexual voltado para as mulheres. A sua obra-prima de 600 páginas — “Relatório Hite” — foi publicada em 1976 e consiste num estudo que envolveu 3.500 mulheres. As conclusões desafiaram a conceção vigente — o sexo visto única e exclusivamente do ponto de vista masculino. Até hoje, o livro vendeu mais de 50 milhões de cópias em todo o mundo.

Capa do “Relatório Hite”, na reedição portuguesa de 2019 © Bertrand Editora

“As descobertas do relatório expressaram as vontades, necessidades e desejos de uma grande maioria de mulheres e as suas experiências de prazer e realização sexual sustentaram essa opinião, de que as mulheres se mantinham insatisfeitas e não reconhecidas no domínio do prazer sexual”, afirmou numa entrevista ao Diário de Notícias, em outubro do ano passado, por ocasião da reedição do livro em Portugal pela Bertrand Editora.

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“A revolução sexual não aconteceu naquela época e não aconteceu agora […] Houve muitas mudanças no que respeita ao nivelamento no campo do género, mas não no quarto. Nós somos humanas! As mulheres continuam subjugadas aos homens. As mulheres continuam a ser sexualizadas na televisão, no cinema, na publicidade”, continuou.

A sua tese continua atual e inovadora e a servir de mote para a desconstrução de preconceitos e tabus em torno da sexualidade e do prazer femininos, mas também para de debates sobre o lugar das mulheres na sociedade ocidental atual.

Shirley Diana Gregory, o seu verdadeiro nome, nasceu a 2 de novembro de 1942 no seio de uma família conservadora, no estado norte-americano do Missouri. A idade tenra da mãe (16) ditou que fosse criada pelos avós. Anos mais tarde, já durante uma pós-graduação da Universidade de Columbia, posou nua para uma campanha publicitária da uma nova máquina de escrever da marca Olivetti. Tempos depois, deparou-se com a sua imagem na revista Playboy e com a legenda: “A máquina de escrever é tão esperta que ela não tem de ser”.

Writer Shere Hite Posing For A Portrait

Shere Hite em 1987 © Santi Visalli/Getty Images

A indignação face ao produto final levou-a a juntar-se à ramificação da National Organization of Women em Nova Iorque, fundada por Betty Friedan, autora da obra “A Mística Feminina”. Em 1995 renunciou à cidadania norte-americana, trocando definitivamente o país onde nasceu pelo continente europeu.

Em 1999, divorciou-se do pianista alemão Friedrich Höricke ao fim de 14 anos de casamento. Com o segundo marido, Paul Sullivan, fixou-se em Londres, no Reino Unido, depois de ter vivido em vários pontos da Europa.