O que pode levar um qualquer adepto a torcer por determinado clube? As ligações familiares, os amigos próximos, uma conjuntura vencedora dessa equipa, o facto de ser a formação do local de nascimento ou residência. Estas são só algumas possíveis justificações, a que se juntam outras mais latentes num mundo cada vez mais globalizado como a contratação de um jogador. Em relação aos treinadores, não existem muitos que consigam ter ascendente para isso mas se há dois que encaixam nesse perfil eles são Jürgen Klopp e Marcelo Bielsa. São dois estilos diferentes, têm duas ideias distintas de jogo mas apresentam argumentos para atrair adeptos. No fundo, porque são muito mais do que “apenas” treinadores de futebol. E iriam encontrar-se logo na abertura da Premier League.

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“Nunca fui suficientemente próximo dele mas é alguém que admiro. Vi as suas equipas jogar e foi particularmente excecional, tudo o resto é do que leio nos jornais e do resto. Temos abordagens diferentes. Existem alguns pontos em comum mas também grandes distinções. Gosto dele, mesmo sem o conhecer, como uma personagem. Talvez seja aquele que mais trabalha de todos nós, não penso que consigamos competir com ele nessa área. Estou mesmo ansioso para me encontrar com ele. É uma inspiração para todos os treinadores pelo que faz, pela maneira como se agarra a isso e pelo que consegue fazer. É interessante para o próprio negócio. O nosso encontro? Em espanhol, só sei pedir cerveja, só isso. Não sei como está o nível de inglês dele…”, comentou Klopp.

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O técnico alemão sabia as dificuldades que iria encontrar na estreia na Premier League. Sabia que, como em poucas equipas da competição, iria defrontar uma equipa com uma marca de água evidente das ideias do técnico que a comanda. E sabia que, a partir de agora, será o “alvo a abater”, até pela forma como se transformou num verdadeiro rolo compressor para ser campeão 30 anos depois. Duas jornadas depois do regresso do futebol após a pandemia, o Liverpool conquistou o título mas esse feito trouxe também um lado lunar, com a equipa a somar alguns resultados inesperados que impediram uma série de recordes entre pontos, jogos sem derrotas e triunfos em casa. A época nem começou da melhor forma, com a derrota na Supertaça, mas Klopp mostrou-se pronto para a “guerra”, disparando contra os adversários como Manchester City ou Chelsea como poucas vezes tinha feito antes: “Para alguns clubes, de oligarcas e de países, o futuro parece menos importante”.

Tudo a postos em Anfield que, como disse Bielsa, “só Anfield quando Anfield está cheio”, como que destacando aquela que poderia ser uma das vantagens do recém promovidos na estreia. E Klopp ficou à espera à saída do túnel de acesso aos balneários do argentino para o cumprimentar, ouvindo algumas palavras do técnico visitante antes de cada um ir para o seu banco. O alemão pareceu quase surpreendido com aquele momento mas Bielsa seguiu naquele seu estilo vagaroso para a área técnica, completamente alheio a uma possível pressão normal pelo primeiro jogo da carreira na Premier League. “Estilo rock & roll do Liverpool? Posso dizer que foram campeões justos mas não tenho muita cultura musical, não sei o que dizer. Têm um estilo de jogo consistente e são, sem dúvida, uma das melhores equipas do mundo”, atirou na antevisão do encontro.

Marcelo Bielsa, um herói em Leeds onde tem a sua cara pintada em vários murais pela cidade, não demorou a dar nas vistas com as suas excentricidades. Como conta o The Guardian, há mais umas quantas recentes como umas linhas azuis pintadas no caminho entre a sua casa e o centro de treinos, o mesmo que tinha sofrido obras quando chegou para colocarem uma cama e uma cozinha por forma a que pernoitasse lá algumas vezes (fora pormenores como o obsessão pelo tamanho da relva ou o peso dos jogadores). Mas o argentino é também aquele que obrigou os jogadores do Lille a responder a um questionário com 200 perguntas tais como “o que pensa sobre a pobreza no mundo”; que já viu 50 mil vídeos de jogos; que uma vez apareceu à porta de casa onde estavam contestários com uma granada na mão; que já esteve três meses num convento. Ele é Bielsa, o senhor do futebol que chegou a todos em Leeds, dos poetas aos pintores, como destaca o The Times.

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Os métodos podem nem sempre ser normais. Os métodos, há duas décadas, inspiraram vários outros treinadores. Mas os métodos, com alguma excentricidade à mistura, são ainda hoje válidos, incluindo o “Murderball” descrito por alguns jogadores que é basicamente um jogo 11×11 sem paragens, com bola sempre a rolar e uns gritos pelo meio. Só mesmo uma grande equipa, um conjunto com personalidade e capaz de assumir a posse sem se colocar a jeito da vertigem do jogo do Liverpool em transições conseguia marcar três golos em Anfield. Até a perder, a imagem que fica é de uma equipa com marca Bielsa que chegou para ficar na Premier League (4-3). Mais do que El Loco, o argentino mostrou que merece a alcunha de El Professor. E há muito a aprender com ele.

Com a equipa a todo o gás e sem qualquer contratação nas opções iniciais, o Liverpool começou da melhor forma a defesa do título a inaugurar o marcador logo aos quatro minutos, com Salah a transformar um penálti cometido por Robert Koch, alemão que esteve muito próximo do Benfica tal como Waldschmidt, que rumou à Premier e que teve uma estreia para esquecer abordando um remate de braço aberto quase quase a “entregar-se” para um castigo máximo. A resposta, essa, não demorou e já depois de Hélder Costa, único português no Leeds, ter marcado em posição irregular (9′), Jack Harrison, jogador emprestado pelo Manchester City, fez o empate com uma fantástica jogada onde recebeu de pé esquerdo, fintou Alexander-Arnold, deu um pequeno toque a tirar do caminho Joe Goméz e rematou de pé direito sem hipóteses para Alisson antes do quarto de hora inicial (12′).

Para equilibrar todas as contas faltava apenas um golo anulado ao Liverpool que surgiu nos minutos seguintes, quando Sadio Mané aproveitou uma saída em falso de Meslier para fazer um chapéu ao guarda-redes num lance que já estava interrompido por posição irregular de Andrew Robertson (16′). O golo não apareceu aí, apareceu pouco depois, com o mesmo Robertson a marcar um canto da esquerda e Van Dijk a fuzilar de cabeça para o 2-1 (20′), vantagem que ficou perto de ser aumentada num desvio atabalhoado de Struijk que por pouco não enganou Meslier (27′). Falharam os centrais do Leeds, falhariam os centrais do Liverpool: Van Dijk não conseguiu fazer o corte num lançamento longo e Bamford recuperou para rematar cruzado e fazer o 2-2 (30′). Em meia hora havia quatro golos, dois golos anulados e um jogo fabuloso de futebol, que teria mais uma vez os reds em vantagem antes do intervalo com um remate ao ângulo de Salah numa segunda bola (33′).

Ao contrário do que se viu por exemplo do Fulham, que perdeu frente ao Arsenal sem dar grandes mostras de algo mais para esta temporada do que lutar pela permanência, o Leeds evidenciou uma personalidade e uma ideia de jogo muito evoluídas para quem acaba de chegar à Premier League. E apesar de nem ter entrado da melhor forma no segundo tempo, nunca se desligou do jogo, aumentou a vantagem na posse de 51% para mais de 60% e lá conseguiu chegar ao último terço como estava a faltar, alternando entre lançamentos em profundidade, saídas a partir de trás e recuperações em zona alta. E foi numa dessas jogadas que chegou o empate, com Hélder Costa a assistir Klich para um grande remate cruzado de pé direito na área a fuzilar Alisson (66′). Van Dijk ainda viu mais um golo anulado por falta de Curtis Jones num bloqueio mas o Liverpool conseguiria finalmente marcar a segurar a vantagem à quarta vez, com o internacional espanhol Rodrigo (ex-Benfica) a ter uma entrada para esquecer fazendo falta na área sobre Fabinho para Salah completar o seu hat-trick (88′).