É injusto, acaba por ser até um pouco cruel mas, com as devidas diferenças e proporções, se ainda hoje a primeira vitória de Naomi Osaka no US Open e num Grand Slam, em 2018, é abordada à sombra da altercação a meio do encontro entre Serena Williams e o árbitro português Carlos Ramos, também o vencedor do US Open de 2020, que merecia o maior palco de todos por fugir à tendência dos “Três Mosqueteiros”, será visto também em paralelo como o torneio onde Novak Djokovic, que levava 26-0 este ano, foi desqualificado na quarta ronda por ter acertado com uma bolada na garganta de uma juiz de linha, Laura Clark (que passou ao lado durante mais de 24 horas da polémica mas viu depois o seu nome revelado por um jornal local e chegou a receber ameaças de morte). No entanto, este seria um ponto importante no circuito. E que ficaria entre “velhos amigos”.

A tropa, os treinos na floresta, as inspirações Koubek e Melzer (e Agassi): a construção de Thiem, o adversário de Djokovic

Velhos é mesmo uma forma de expressão, embora pertençam a gerações diferentes com quatro anos de diferença. Dominic Thiem, o mais experiente com 27, e Alexander Zverev, o mais novo com 23, são dois dos principais candidatos a ocupar o trono do ténis na era pós-Federer, Nadal e Djokovic, sendo dois jogadores que desde que se começaram a cruzar em torneios juniores estabeleceram uma relação muito próxima de amizade. Cresceram juntos, falam a mesma língua, andam pelos mesmos locais em competição e fora dela. Também por isso, ia ser uma noite especial para o austríaco e para o alemão, tal como já tinha sido também nas meias do Open da Austrália, quando Thiem venceu Zverev num fantástico jogo antes de perder a final frente a Djokovic.

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Agora, e seis anos depois, haveria de certeza um novo jogador a ganhar um Grand Slam no quadro masculino. Por isso e pela forma como chegaram ao encontro decisivo, seria um momento marcante na carreira de ambos.

Thiem continua a não conseguir adaptar-se à relva de Wimbledon, onde chegou à quarta ronda em 2017 mas perdeu logo no primeiro jogo nos anos seguintes. E esse poderá até ser o seu grande desafio da carreira a médio prazo. No entanto, tinha vindo a mostrar há muito que o momento em que ganharia um Grand Slam estava perto, fosse ou não este ano. E tanto poderia ser em Roland Garros (quando terminar de vez a era Nadal) como em piso rápido, como ficou próximo nas finais de 2018 e 2019 do Major francês bem como do Open da Austrália deste ano. Agora, após um caminho quase todo feito a três sets à exceção do triunfo frente a Cilic, tinha a sua grande oportunidade para quebrar o jejum, surgindo até com um ligeiro favoritismo teórico pela forma como derrotou Alex de Minaur nos quartos e Daniil Medvedev nas meias, sem margem para dúvidas.

Dominic Thiem, o rapaz que era demasiado educado para ser tenista e agora é o “príncipe da terra batida”

Já Zverev, que no ano passado chegou pela primeira vez às meias de um Grand Slam (Austrália), atingiu aquilo que era o seu grande objetivo a curto prazo: a final de um Major. À semelhança de Thiem, Wimbledon ainda é um território tabu para o germânico mas com o tempo e com a experiência foi subindo degraus nos grandes torneios (e no ATP Finals, que ganhou em 2018). E a trajetória foi tudo menos fácil, com uma épica reviravolta nas meias frente ao espanhol Pablo Carreño Busta (algo que, em partidas de acesso a finais do Grand Slam, só tinha acontecido quatro vezes este século) depois de um triunfo complicado nos quartos com Cilic – ah, e pelo meio, como não poderia deixar de ser, houve um pouco de polémica quando respondeu torto a Martina Navratilova dizendo que a sua opinião contava zero após a antiga campeã ter referido que lhe faltava agressividade no jogo.

Zverev: os quase dois metros, o “treino soviético” e o mini ténis com Djokovic e Nadal

Na final, a mais nova desde o Open da Austrália de 2012 entre Rafael Nadal (25) e Novak Djokovic (24), o título de primeiro vencedor de um Grand Slam nascido nos anos 90 acabou por cair para Dominic Thiem, num jogo de pouco mais de quatro horas que ficará na história do US Open como o primeiro a ser decidido no tie break. Mais: além de ser o segundo austríaco a ganhar um Major depois do triunfo de Thomas Muster em Roland Garros há 25 anos, tornou-se o primeiro a conquistar um Grand Slam após ter perdido os dois primeiros sets desde Gastón Gaudio, quando ganhou Roland Garros em 2004 contra o compatriota Guillermo Coria. A tropa, os treinos na floresta e as inspirações Koubek e Melzer (além de Agassi) tiveram a compensação mais desejada para alguém que foi sempre visto como o rapaz demasiado bem educado e low profile.

E a entrada do alemão em campo foi talvez a mais forte neste US Open, muito frio na escolha dos momentos para atacar mas também muito agressivo na procura dos pontos em vez de esperar que os mesmos viessem ter com ele. Foi assim que chegou com relativa facilidade ao 6-2 com dois breaks a Thiem, num parcial onde todos os jogos de serviço de Zverev foram ganhos de forma convincente (ganhando dois em branco) e todos os jogos de Thiem foram conseguidos de forma apertada. Com quatro ases, 92% de pontos ganhos no primeiro serviço, 16 winners e apenas sete erros não forçados, o germânico foi mais forte e colocou muita pressão no jogo do austríaco, com vários erros não forçados, uma percentagem abaixo dos 40% de primeiro serviço e quatro winners.

O segundo set começou da mesma forma, pairando até a dúvida se Thiem estava com algum condicionalismo físico perante o jogo nada consistente que apresentava frente a um Zverev que até quando baixava um pouco o seu nível começou a ganhar. De forma natural o alemão chegou ao triunfo mas a parte final do parcial trouxe um novo austríaco, bem mais seguro no seu serviço e capaz de colocar outros problemas ao jogo do germânico. Aquele espírito mais guerreiro de Thiem conseguiu evitar três set points no seu serviço para reduzir para 5-2, salvou ainda um set point no break a Zverev do 5-3, fez um jogo muito seguro para o 5-4 e acabou apenas por cair com o 6-4 num jogo onde chegou a colocar as contas a 30-30 antes do serviço fazer toda a diferença. Com um dado curioso: no final do set, Thiem até terminou com melhor percentagem de primeiro serviço.

Confirmou-se que a história seria diferente e, depois de ambos terem segurado os seus serviços, Zverev fez o break a Thiem mas Thiem respondeu com um contra break a Zverev. Ao contrário do que se tinha passado até esse momento, o encontro seria mais parecido com aquilo que se passou nas meias do Open da Austrália, em que apesar da vitória do austríaco assistiu-se a uma partida equilibrada, bem jogada e de resultado imprevisível. E se ainda houve serviços que se tornaram mais complicados de fechar, o alemão acabou mesmo por ceder no nono e decisivo jogo, sofrendo um break que abriu depois a possibilidade para Thiem fechar com 6-4. O austríaco estava de novo dentro do encontro, mais confiante, a fazer passing shots, a forçar o erro do adversário, até mais solto no court por paradoxal que possa parecer. E foi isso que lhe valeu também o triunfo no quarto set, carimbado mais uma vez com break no nono jogo antes de fechar o parcial no seu serviço (jogo em branco).

Tudo seria decidido num quinto e último set, tudo estaria em aberto até porque quando o encontro chegou às três horas em Flushing Meadows houve break de Thiem e contra break de Zverev com uma dupla falta do austríaco (depois de um passing shot de esquerda fantástico no alemão). E como se não bastasse, a emoção ia mesmo seguir até ao final, com mais um momento em que Zverev conseguiu quebrar o serviço de Thiem, ia servir para ganhar o seu primeiro Grand Slam mas fez três erros não forçados que deram o empate a cinco ao austríaco. Os jogadores foram para as respetivas cadeiras e ouviu-se a música “Under Pressure” dos Queen. Melhor escolha era impossível naquele contexto: era tudo uma questão de pressão. E ambos “tremiam”, falhando no seu serviço com a agravante de Thiem estar em evidentes dificuldades físicas. Pela primeira vez na história, o US Open foi decidido no tie break do quinto set o triunfo acabou mesmo por cair para o austríaco, por 7-5. Mesmo a arrastar-se, a coxear com problemas na perna direita, Thiem alcançou o que parecia impossível.