O presidente do Conselho Regional da América Central e do Sul, António Graça, denunciou hoje à Lusa os salários “desumanos” pagos pelo Governo português aos funcionários dos postos consulares no Brasil, numa situação que considerou “insustentável”.

Em causa está uma decisão do executivo português, tomada em 2013, que, em plena crise económica em Portugal, fixou que os vencimentos dos funcionários do quadro seriam pagos em reais (moeda corrente brasileira), a uma taxa de câmbio fictício de 2,63. Contudo, no momento, o euro está cotado a 6,26 reais, tendo já chegado ao 6,64 reais no final de agosto. “Há funcionários a passar dificuldades, funcionários a terem de cancelar escolas privadas dos filhos, a cancelar planos de saúde, que nem isso o Governo português garante. A situação é precária, não têm mais poder de compra, ganham cada vez menos, porque o real só aumenta. A situação está insustentável”, disse o conselheiro à agência Lusa.

“Porque é que o salário dos funcionários no Brasil está atrelado ao real, se em qualquer outra parte do mundo é pago em euros? Porque é que só aqui é pago em reais, com um câmbio a 2,63, fixado em 2013? Se o funcionário ganhar mil euros, é esse o valor que ele auferirá, independentemente do país em que está. Apenas no Brasil existe esse problema. É um absurdo”, salientou António Graça. Em março, numa reunião do Conselho Regional, que decorreu em São Paulo, os funcionários do Consulado Geral de Portugal naquele estado brasileiro entregaram uma carta aos conselheiros com essas e outras denúncias.

No documento, a que a Lusa teve acesso, os funcionários indicaram que “todos os meses perdem o seu poder de compra ou de sobrevivência pela fixação dos seus vencimentos em reais. As funcionárias do quadro que pagam IRS em Portugal são ainda mais penalizadas pela aplicação deste sistema cruel e injusto”.

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“Os funcionários dos Serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros no Brasil são os únicos no mundo que não têm os seus vencimentos pagos em euro. O nosso padrão de vida tem-se deteriorado ao longo dos últimos sete anos”, advogam no texto.

António Graça estranhou que apenas os funcionários de São Paulo tenham apresentado queixa, mas, em conversa posterior com trabalhadores de outras áreas geográficas do Brasil, estes confirmaram que a situação era similar, com o conselheiro a avaliar que poderá estar em causa uma situação de “medo” de represálias, por exporem o seu descontentamento. Em 23 de outubro, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, irá ter uma reunião de negociação, em que serão apresentadas estas questões salariais, segundo António Graça. Contudo, o conselheiro garante que peca por tardia.

“A reunião estava agendada para agosto, mas foi adiada para outubro, só que a situação está complicadíssima. Os funcionários não têm mais como levar isto por mais tempo. O Governo trata o assunto como um problema pequeno, mas não é tão pequeno assim. O Governo não está a dar importância. Não sei como é que esses funcionários ainda não entraram em greve. Certamente era o que eu faria. É um absurdo o que o executivo está a fazer”, frisou o conselheiro.

“E o que é que os deputados estão a fazer em Lisboa pelos postos consulares no Brasil? É isso o que eu quero saber. Ou o Governo toma uma decisão que regule a situação, ou não sei o que irá acontecer. Não sei o que o Governo pensa em relação às comunidades portuguesas e a esses atendimentos dos postos consulares, mas algo tem de ser feito. Estou preocupado com a situação futura”, acrescentou.

Para o presidente do Conselho Regional da América Central e do Sul, a solução passa por um acordo para fixar o valor do salário em euros, além da garantia de “compensação das perdas” obtidas pelos funcionários ao longos dos últimos anos.