O governo britânico garantiu esta quinta-feira que o plano de anular partes do Acordo de Saída do “Brexit” não ameaça a paz na Irlanda do Norte, numa resposta a uma advertência do candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden.
Um porta-voz do primeiro-ministro britânico reafirmou que a polémica proposta de lei, que está a ser debatida no Parlamento, tem como objetivo “precisamente garantir que o Acordo da Sexta-Feira Santa seja respeitado em todas as circunstâncias”.
Continuamos absolutamente determinados a que não haja um regresso a uma fronteira física, ou infraestrutura de fronteira, entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte”, disse o porta-voz a um grupo de jornalistas.
Londres irritou a UE ao apresentar uma proposta de lei, atualmente em análise no Parlamento, que revê o Acordo de Saída assinado em janeiro com os 27 para regulamentar a saída do Reino Unido da União Europeia.
O texto contradiz, em particular, disposições especiais inscritas no Protocolo para a Irlanda do Norte, formulado para evitar o regresso a uma fronteira com a República da Irlanda que poderia pôr em causa o acordo de paz de 1998 que pôs fim a três décadas de violência.
“Não podemos permitir que o acordo da Sexta-Feira Santa, que trouxe paz à Irlanda do Norte, se torne uma vítima do Brexit”, avisou na quarta-feira, numa mensagem na rede social Twitter, Joe Biden, que sempre falou com paixão sobre as suas raízes irlandesas.
We can’t allow the Good Friday Agreement that brought peace to Northern Ireland to become a casualty of Brexit.
Any trade deal between the U.S. and U.K. must be contingent upon respect for the Agreement and preventing the return of a hard border. Period. https://t.co/Ecu9jPrcHL
— Joe Biden (@JoeBiden) September 16, 2020
“Qualquer acordo de comércio entre os Estados Unidos e o Reino Unido está condicionado ao cumprimento do Acordo e ao não retorno a uma fronteira física. Ponto final”, acrescentou o candidato democrata à presidência dos EUA.
A intervenção de Biden foi recebida com alguma hostilidade por deputados conservadores britânicos, incluindo Joy Morrissey, que acusou também no Twitter que “Biden está a apelar descaradamente ao voto dos irlandeses americanos”.
Posteriormente, apagou a mensagem e substituiu-a por uma versão mais diplomática, onde diz: “Claramente, é tudo por causa do voto irlandês-americano”.
O aviso coincidiu com uma visita esta semana do ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Dominic Raab, a Washington para tentar acalmar as preocupações dos norte-americanos EUA sobre o “Brexit” e o risco para o processo de paz na Irlanda do Norte.
Entretanto, o governo britânico cedeu à pressão de um grupo de deputados conservadores preocupados com o risco de a proposta de lei violar direito internacional e aceitou apoiar uma alteração para dar ao parlamento a última palavra na decisão.
Na proposta de lei do Mercado Interno do Reino Unido, destinada a substituir as normas europeias por regras para o comércio entre as diferentes regiões do Reino Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) após a saída da UE, o governo invoca poderes para ignorar disposições que estão no Acordo.
Em causa estão questões como o preenchimento de declarações de exportação ou controlos aduaneiros entre a província britânica da Irlanda do Norte e a Grã-Bretanha, a ilha onde se encontram a Inglaterra, Escócia e País de Gales.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, argumentou que esta legislação é uma “rede de segurança” para proteger a integridade do país de “interpretações extremistas ou irracionais do Protocolo, que podem resultar numa fronteira no Mar da Irlanda”.
O texto vai ser debatido e votado na especialidade na segunda e terça-feira na Câmara dos Comuns, seguindo depois para a Câmara dos Lordes, câmara alta do parlamento britânico.