Vários eurodeputados portugueses exortaram esta quinta-feira a União Europeia a não ignorar a situação que se vive em Cabo Delgado, durante um debate no Parlamento Europeu sobre a situação humanitária no norte de Moçambique.

“É grave, muito grave, o esquecimento a que a comunidade internacional e a União Europeia em particular votou a situação de Moçambique. A pandemia não desculpa tudo, não pode ser o véu que tapa aquilo que se está a passar no norte de Moçambique”, declarou o líder da delegação do PSD, Paulo Rangel.

No mesmo sentido, o líder da delegação do PS, Carlos Zorrinho, dirigindo-se à comissária responsável pelas Parcerias Internacionais, Jutta Urpilainen, que representou o executivo comunitário no debate, defendeu igualmente que a UE não pode “refugiar-se na desculpa da complexidade (da situação), nem da pandemia para abandonar o povo de Cabo Delgado”.

Também a deputada Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, disse ser necessário “denunciar o que se está a passar e acabar com o silêncio”, sustentando que “condenar os atentados terroristas e o ‘jihadismo’ é fundamental, mas não chega”, pois também “é preciso denunciar e parar a exploração dos recursos naturais”, que tem levado multinacionais “a competir como abutres para ter acesso à região”, quase “como se nada estivesse a acontecer” no norte de Moçambique.

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Primeiro interveniente no debate, Rangel insistiu que a UE não pode “deixar Moçambique e os moçambicanos no esquecimento”, apontando que “há neste momento um drama humanitário terrível no norte de Moçambique, na província de Cabo Delgado”.

“Há já mais de 1.500 mortos, há centenas de milhares de deslocados, há terrorismo nas aldeias e nas vilas de Moçambique. Muitas das jovens mulheres têm sido raptadas ou escravizadas sexualmente, muitos dos jovens homens reforçados à força para milícias e para exércitos temporários. É uma ofensiva claramente inspirada no ‘jihadismo’ islâmico, no extremismo, com ligações já comprovadas ao Daesh”, disse.

Para o deputado social-democrata, “este não é apenas um problema para os moçambicanos que estão a sofrer e que precisam de ajuda humanitária”, mas “também um problema regional, porque se está a espalhar o ‘jihadismo’ islâmico pelos países à volta”.

“Já veio do Sahel, do Corno de África, são surtos vários em toda a África a que nós não estamos a dar atenção. E por isso é fundamental o apoio da UE, o envolvimento da União Africana, o envolvimento da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral. Nós temos que envolver todos estes parceiros para salvar estas pessoas que estão em desespero, e que para além do desespero estão totalmente esquecidas e abandonadas pela comunidade internacional”, disse.

Rangel argumentou que “ninguém fala de Moçambique, nem nos países mais próximos, como Portugal ou como a Itália, que têm responsabilidades especiais relativamente a Moçambique”.

Na intervenção imediatamente a seguir, o deputado socialista Carlos Zorrinho respondeu a este “reparo” afirmando que Portugal tem desempenhado um papel ativo, designadamente através do chefe da diplomacia Augusto Santos Silva.

“E sim, senhor deputado Paulo Rangel, os Estados-membros também têm um papel a desempenhar. E, felizmente, Portugal, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, tem desempenhado esse papel. Que sirva de exemplo e que sirva também de motivador para o trabalho que é necessário prosseguir”, afirmou.

Relativamente à crise humanitária, notou que é resultado de “pobreza endémica, ganância económica, fragilidade institucional e catástrofes naturais”, a que se juntou o “terrorismo sob a capa da intolerância religiosa”.

“Senhora comissária, não podemos refugiar-nos na desculpa da complexidade nem da pandemia para abandonar o povo de Cabo Delgado. Temos de agir de forma articulada sobre as raízes do problema, mas, no imediato, temos que responder à urgência humanitária com que nos confrontamos”, defendeu.

A província de Cabo Delgado é há três anos alvo de ataques por grupos armados, alguns reivindicados pelo grupo “jihadista” Estado Islâmico, mas cuja origem permanece em debate, provocando uma crise humana com mais de mil mortes e 250.000 deslocados internos.

Estima-se que 374.000 pessoas tenham sido ainda afetadas em 2019 e no início de 2020 por intempéries e inundações, com destaque para o ciclone Kenneth, em abril do último ano, que provocou 45 mortos e arrasou diversas povoações, deitando por terra inúmeras infraestruturas públicas, como escolas e unidades de saúde.