No cinema, os grupos de casais ou de adolescentes que vão passar aquilo que julgam ser um fim-de-semana descansado a uma casa de campo ou de praia isolada, já foram sujeitos aos mais desvairados tratos de polé, quer por mão humana, quer por forças sobrenaturais: massacrados por assassinos psicopatas mascarados, dizimados por almas do outro mundo, mortos-vivos, forças demoníacas e alienígenas maléficos, estraçalhados por adolescentes cruéis, rústicos boçais, caçadores brutais, vizinhos mentalmente destrambelhados, campistas “serial killers” e cientistas loucos. A lista é longa e o “body count” himalaico.

Ou seja, é cada vez mais difícil fazer um “thriller” ou um filme de terror sobrenatural aceitavelmente original e capaz de surpreender sobre este tema. Em “O Segredo do Refúgio”, primeira longa-metragem de Dave Franco (que também escreveu o argumento com Joe Swanberg), este ator e irmão de James Franco consegue chegar lá perto, mas tropeça e cai no terceiro ato do filme. Dois irmãos, Charlie (Dan Stevens) e Josh (Jeremy Allen White), e as respectivas namoradas, Michele (Allison Brie) e Mina (Sheila Vand) alugam uma cara e belíssima casa à beira-mar nos arredores de Portland para terem um fim-de-semana de estalo.

[Veja o “trailer” de “O Segredo do Refúgio”:]

Charlie e Mina são sócios numa pequena empresa de tecnologia que acabou de receber um bom investimento, e vão também aproveitar para comemorar a chegada desse dinheiro fresco. Só que logo na primeira noite, e sob o efeito das drogas que tomaram, os dois sócios começam aos beijos no “jacuzzi” e acabam com sexo no duche. No dia seguinte, Charlie e Mina concordam que a coisa nunca mais se vai repetir e que não dirão nada a Michelle e Josh. Só que logo a seguir, Mina descobre uma mini-câmara escondida no duche, e que há mais destas na casa do que na do Big Brother. Quem será o “voyeur”? Taylor (Toby Huss), o sujeito abertamente racista que lhes alugou a propriedade, ou o seu irmão, o dono, que eles nunca viram?

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[Veja uma entrevista com o realizador Dave Franco:]

Dave Franco faz nascer o terror de quatro lados: dos atos impensados de Charlie e Mina e das mentiras que depois têm de contar a Michelle e Josh; da posição vulnerável em que quem aluga uma casa de estranhos se põe; da tecnologia que pode devassar-nos completamente a intimidade sem que tenhamos noção disso; e da possibilidade de uma propriedade alugada temporariamente conter não só dessa tecnologia intrusiva, como também o intruso que a instalou passar de “espreita” a matador. Já estamos a ver a reclamação no Airbnb: “A casa era magnífica e a vista deslumbrante, mas quero ser reembolsado por causa do assassino psicopata que massacrou os meus amigos.”

[Veja uma cena do filme:]

“O Segredo do Refúgio” tem uma atmosfera desconfortável, boas interpretações e um punhado de ideias bem postas em prática. Até à altura em que a história faz a agulha de filme “indie” sobre relações amorosas ameaçadas de rutura por uma infidelidade, para filme de terror “slasher”. O “voyeur” e “psycho killer” é uma espécie de Jason Voorhees ou Michael Meyers de quarta categoria, uma silhueta com baixa tensão de terror, e não se percebe porque gasta ele tanto tempo e dinheiro a instalar câmaras para ver pessoas a fazer crepes, a escrever ao computador na retrete, a dormir ou a ter sexo no chuveiro ocasionalmente; e sobretudo, como se vê ele livre, de forma rápida e limpa, de uma pilha de cadáveres e de dois automóveis, e continua na mesma senda assassina com toda a naturalidade.

Por isso, continuamos à espera de quem consiga injetar alguma novidade neste formato, já que, embora fazendo melhor do que filmes anteriores e mais recentes da mesma família, como “The Beach House” ou “The Lodge”, Dave Franco e “O Segredo do Refúgio” ficaram a meio do caminho.