“A Vida Extraordinária de Copperfield”

Imaginem uma adaptação ao cinema de “Os Maias” em que Carlos da Maia é negro, o Alencar é indiano, a Gouvarinho chinesa e a Lisboa do tempo de Eça uma cidade alegremente multirracial. Pois é este tratamento politicamente correto que o “David Copperfield” de Charles Dickens sofre às mãos de Armando Iannucci em “A Vida Extraordinária de Copperfield”, uma “reinterpretação” do romance segundo os ditâmes da “diversidade”. Copperfield (Dev Patel) é agora indiano, várias das personagens secundárias são de outras etnias e a Inglaterra dickensiana está transformada num modelo de convívio multicultural. Não contente em deturpar a integridade deste clássico da literatura e de forçar a recriação do passado à luz das agendas políticas do presente, Iannucci passa o livro a um crivo “meta” (Copperfield já adulto assiste ao seu próprio nascimento e fala com o seu “eu” de criança, há frases da obra sobrepostas às imagens, etc.), tira a história dos gonzos, realiza a mata-cavalos e dirige os atores como se eles estivessem numa farsa de “boulevard”, sem mostrar a menor compreensão das especificidades, das personagens e do humor do universo de Charles Dickens.

“O Fim do Mundo”

Spira (Michel David Pires Spencer) tem 18 anos e volta ao bairro da Reboleira em que nasceu após ter passado oito numa casa de correção. Encontra as casas a serem demolidas pela Câmara Municipal, os moradores crispados uns com os outros, os amigos entregues ao tráfico de droga e à pequena delinquência, e os dois irmãos que eram bebés quando se foi embora, já crescidos e a viverem com a madrasta na mesma casa precária que era do pai dele, mas de que esta se apropriou. Em “O Fim do Mundo”, a sua segunda longa-metragem (que remete em tema e ambiente para a curta “Nuvem Negra”, de 2014), o luso-suíço Basil da Cunha filma o bairro em que passou a adolescência e conhece bem, pelo olhos de Spira. O rapaz constata as mudanças em tudo o que o rodeia, vê-se espancado e ameaçado de morte por um traficante local, apaixona-se por uma rapariga que afinal já é mãe solteira, e para onde quer que se vire, não encontra perspetivas de futuro, para si nem para ninguém. É o retrato limitado, mas sincero, da desesperança resignada de uma geração, um filme que recusa o miserabilismo mendicante e a pose da revolta, e em que o realizador pôs em cena gente do próprio bairro.

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“O Segredo do Refúgio”

Nesta primeira longa-metragem do ator Dave Franco (que também escreveu o argumento com Joe Swanberg), dois irmãos, Charlie (Dan Stevens) e Josh (Jeremy Allen White), e as respetivas namoradas, Michele (Allison Brie) e Mina (Sheila Vand) alugam uma cara e belíssima casa à beira-mar nos arredores de Portland para passarem um fim-de-semana. Charlie e Mina são também sócios numa pequena empresa de tecnologia que acabou de receber um bom investimento, e querem comemorar a chegada de dinheiro fresco. Só que logo na primeira noite, e sob o efeito das drogas que tomaram, os dois sócios começam aos beijos no “jacuzzi” e acabam a ter sexo no duche. No dia seguinte, Charlie e Mina concordam que a coisa nunca mais se vai repetir e que nunca dirão nada a Michelle e Josh. Mas a seguir, Mina descobre uma câmara escondida no duche, e que há mais delas na casa do que na do Big Brother. Quem será o “voyeur”? Taylor (Toby Huss), o homem abertamente racista que toma conta da propriedade, ou o seu irmão, o dono, que eles nunca viram? “O Segredo do Refúgio” foi escolhido como filme da semana pelo Observador e pode ler a crítica aqui.