O mundo estava diferente quando o navio de cruzeiro “Magnifica” deixou Itália, em janeiro, com 26 portugueses a bordo entusiasmados por irem percorrer o périplo de Fernão de Magalhães, objetivo interrompido pela Covid-19 que levou o medo a bordo. O sinólogo e escritor António Graça de Abreu era um dos portugueses a bordo, entre os 2.200 passageiros que embarcaram para uma viagem de quase quatro meses, mas que a chegada da pandemia encurtou, proporcionando uma outra aventura registada no livro “Odisseia Magnífica — Uma Volta ao Mundo, com Magalhães e Covid-19” (Guerra e Paz), que chega às livrarias na terça-feira.

O autor, António Graça de Abreu, disse à agência Lusa que esta foi, sem dúvida, a mais estranha das muitas viagens que já fez e que, apesar de ter tido um final feliz, sentiu muito medo a bordo. O navio partiu de Itália a 4 de janeiro, numa altura em que “não se falava da Covid-19”.

A embarcação de grande qualidade proporcionava bons momentos aos passageiros que em terra se deslumbravam com as paisagens visitadas. Primeiro a América do Sul, Brasil, Argentina, Uruguai. “Tudo a correr bem”, recordou. “Quando passámos o estreito Magalhães ainda não se falava em Covid-19, mas fomo-nos apercebendo depois pelas notícias que chegavam através da internet”.

A primeira onda da pandemia atingiu o navio em março quando este foi impedido de atracar nas Ilhas Cook, no Pacífico Sul. Seguiram até à Tasmânia, onde o barco atracou, mas ninguém foi autorizado a deixar a embarcação, precisamente devido ao risco de contágio, pois ali já se contabilizavam cinco casos de Covid-19. “Estávamos todos com receio de que o vírus entrasse”, disse António Graça de Abreu, sublinhando que a esmagadora maioria dos passageiros tinha mais de 60 anos.

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Sem ordem para sair de bordo, navegaram mais de um mês sem atracar. Pelo meio, pequenos grandes sustos, como a doença de uma passageira que teve de sair em Colombo, a capital do Sri Lanka, por se sentir muito mal devido a uma apendicite, diagnóstico só mais tarde conhecido, mas que levantou o medo de ser uma vítima do novo coronavírus. Um outro passageiro sofreu um ataque cardíaco durante a viagem e teve de ser retirado do navio por um helicóptero, enviado por Israel.

António Graça Abreu conta que foram equacionados muitos percursos e indagados vários portos, mas o mundo tinha entretanto encerrado. Uma das hipóteses foi o Dubai, para onde o navio se deslocou, até saber que essa entrada também ficara interditada. Sem saber para onde ir, o barco ficou a navegar em círculos durante quatro dias, até que, um mês e um dia após deixarem o porto da Tasmânia, chegaram a Marselha, onde desembarcaram a 21 de abril.

Apesar do medo, os passageiros continuaram a usufruir de animação e boa comida. O vinho é que faltou dois dias antes do navio atracar em Marselha, mas a situação resolveu-se com champanhe. De Marselha, os passageiros e tripulantes seguiram de autocarro para os vários destinos, onde encontraram uma nova forma de viver e a humanidade com máscaras na cara.

Dos quase quatro meses de viagem, mais de um mês foi passado sem pisar terra e com momentos de grande tensão, aliviados pelo profissionalismo do capitão Roberto Leotta, com décadas de experiência no mar. A bordo do navio eram raros os que nunca tinham feito uma viagem cruzeiro. Alguns já colecionavam várias voltas ao mundo, o que surpreendeu António Graça Abreu.

O autor já deu a volta ao mundo, mas nunca imaginou que iria viver uma aventura desta natureza. No final, a certeza de que o melhor foi chegar a casa sem a Covid-19 que, entretanto, já tinha subido a bordo de todo o planeta.