Na disputa entre António Costa e Rui Rio, o primeiro-ministro parece ter um aliado em Bruxelas. O comissário europeu do emprego, o luxemburguês Nicolas Schmit, considera que o aumento do salário mínimo, se ligado a indicadores como a produtividade e a qualificação, “não é prejudicial ao crescimento económico” e, em Portugal, não teve consequências negativas no emprego. Em declarações ao Observador, o comissário europeu, membro do Partido dos Trabalhadores Socialistas do Luxemburgo, diz até que “o impacto económico foi um desastre” nos países que, na crise anterior, cortaram no valor.

Comissário Europeu do Emprego defende aumento do salário mínimo

O tema do aumento do salário mínimo tem estado na agenda política nacional, numa altura em que o Governo prepara o Plano de Recuperação e Resiliência, que terá de ser entregue e Bruxelas. No debate de discussão do plano, na quarta-feira, o assunto levou mesmo a um despique entre António Costa e o líder da oposição, Rui Rio.

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“Eu sempre fui pelo aumento do salário mínimo nacional, num quadro em que o desemprego é baixo, e em que a economia está a crescer. Mas no presente, em que o desemprego é enorme, em que a economia está a cair, em que temos uma grande incerteza sanitária e ainda por cima em que a inflação é nula ou mesmo negativa, a minha questão é: qual o objetivo do governo em aumentar o salário mínimo nacional. Fomentar mais o desemprego?“, questionou o social-democrata.

Na resposta, António Costa disse-se “perplexo”. “Até me pareceu ouvir o seu antecessor [Pedro Passos Coelho] falar aqui, em 2016, quando defendeu que o aumento do salário mínimo ia destruir a criação de emprego, ia destruir as empresas e a economia. Mas demonstrámos ao seu antecessor que o reforço do rendimento das famílias é uma condição essencial para revitalizar a economia”, respondeu.

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Com quem concorda o comissário do emprego, um dos defensores do salário mínimo europeu? Ao Observador, o socialista defende que, em Portugal, “pelo menos antes da crise [pandémica], o aumento regular do salário mínimo não teve, de todo, um impacto negativo no emprego“. “Estamos numa crise não só da oferta, mas também da procura. Durante a crise anterior o salário mínimo chegou a ser reduzido nalguns países e o impacto económico foi um desastre”, afirma. Por isso, Nicolas Schmit considera que uma “adaptação regular” do salário mínimo, se ligada à produtividade e ao investimento, sobretudo na qualificação, “não é prejudicial ao crescimento”. “Mas isto tem de ser feito num contexto de diferentes indicadores económicos que, certamente, o Governo português e os parceiros sociais têm de discutir“, acrescentou.

É que Portugal, segundo o comissário, tem ainda um problema de qualificação da força de trabalho. “Há ainda demasiadas pessoas com baixas qualificações“, aponta. Um problema que, considera, deve ser endereçado a par do apoio ao emprego jovem, nomeadamente com o financiamento do programa SURE. “Vejo que Portugal quer investir parte do dinheiro do plano de recuperação e resiliência na melhoria das qualificações. São passos positivos, especialmente para reduzir o desemprego jovem. Sem dúvida que esta crise afetou mais os jovens, que estão  em setores que foram muito atingidos, como o turismo”.

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A comissão europeia lançou, em julho, um programa para apoiar o emprego jovem. A ideia é “reforçar a Garantia para a Juventude”, um compromisso assumido por Portugal para assegurar que os jovens entre os 15 e os 29 anos têm acesso a uma oferta de qualidade no emprego e na formação.

A par disso, Portugal espera agora o financiamento do programa SURE, na ordem dos 5,9 mil milhões de euros, uma ajuda que António Costa disse que começará a chegar em outubro. “Esta semana, contra a expectativa de muitos, foi dada a última garantia nacional que faltava para que o SURE pudesse estar disponível. A partir do próximo mês começará a estar disponível”, informou o primeiro-ministro no debate de quarta-feira.

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Este valor, garante Nicolas Schmit, “não tem nenhuma condição”, em termos de reformas no mercado de trabalho. O objetivo é ajudar ao financiamento de instrumentos como o layoff, que, considera o comissário, “limitou o número de desempregados”. Nicolas Schmit admite mesmo que este regime possa ser prolongado. “Há um risco de que a pandemia vá durar mais tempo [do que prevíamos], o que significa que, em alguns casos, prolongar a redução dos horários de trabalho pode ser útil”, explica.

O comissário diz que ainda há “cerca de 14 ou 15 mil milhões de euros disponíveis” no âmbito do SURE. “Temos de ver como a situação, em especial do mercado de trabalho, vai evoluir nalguns países, porque a situação começa a ser muito diversa nos vários estados-membros. Temos de analisar, se houver uma segunda ronda de apoio, como é que isto pode ser feito”.