O fenómeno remonta à era pré-pandemia. Ao longo dos últimos cinco anos, uma nova geração de habitantes das grandes cidades recuperou um gosto, culturalmente, há muito adquirido, mas que a ciclicidade dos fenómenos culturais e sociais havia deixado em suspenso lá atrás, no final do século passado. Os millennials voltaram a pôr plantas dentro de casa e o que é válido para espécimes ornamentais pode muito bem aplicar-se à cultura de pequena escala de géneros hortícolas. Afinal, entre tomar conta de uma monstera deliciosa e fazer prosperar um canteiro de tomilho não há assim tanta diferença.

“Esta necessidade de ligação ao verde tem crescido muito aceleradamente”, começa por dizer Isabel Mourão, professora da Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, ao Observador. Fala de uma tomada de consciência dos efeitos negativos da distância entre homem e natureza — resumida em 2005 pelo autor norte-americano Richard Louv como “distúrbio do défice de natureza” –, explorada sobretudo no contexto infantil.

“Há, de facto, uma tendência generalizada para trazer a horta para meio urbano. Mas também há uma série de razões que perduram no tempo — o aspeto económico, nomeadamente. E é algo que tem sido trabalhado no ensino, através das hortas escolares. Isso é importante por duas razões: as crianças aprendem desde o início o valor do alimento, que vem de um produtor e não do supermercado, e porque, de facto, os hortícolas falham na alimentação de muitas famílias”, explica a professora, há 30 anos ligada ao ensino na área da horticultura.

Tendência ou afeto: por que é que voltámos a adorar ter plantas em casa?

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Do consumo de proximidade à vivência da própria casa, passando pela dimensão terapêutica de cuidar de um ser vivo e de vê-lo crescer, a pandemia veio acentuar o fenómeno. De todo o mundo, chegam histórias de mãos na terra — e os episódios abrangem protagonistas reconhecidamente habilidosos, mas também estreantes absolutos no que toca a manter um ser botânico vivo. Nesse campeonato, as dificuldades são compreensíveis — segundo Isabel, tirando algumas pessoas com background rural, a grande maioria não tem qualquer sensibilidade para a prática hortícola. “É simples, mas dentro do simples é preciso saber”, refere.

Enquanto o mundo se ajustava à ameaça de um vírus desconhecido, houve quem percebesse que o momento era de oportunidade para regressar à terra, mesmo dentro de um apartamento, no centro de uma cidade como Lisboa. A vontade (ou até a curiosidade) são a semente inicial, o empurrão que se segue pode muito bem chegar dentro de uma caixa.

Hortini. Planta a planta, a construção de cidades mais verdes

A ideia foi de Diana Mendes. Licenciada em Gestão e com mestrado em Jornalismo, começou em 2019 a tirar partido do pequeno pedaço de terra que tinha à porta. “Decidi ter a minha própria horta. Sempre me preocupei com a alimentação e gosto muito de saber de onde vêm os alimentos”, conta ao Observador. Fixou-se a uma hora de Lisboa, cidade onde cresceu, depois de três anos a viver no centro de Madrid. No quintal, o sucesso das primeiras investidas — brócolos, alfaces e couve-flor, entre outros vegetais — motivou-a a pensar numa solução universal para quem quer dar o mesmo passo, mas hesita devido à falta de jeito.

“Acho que toda a gente devia ter a oportunidade de plantar e colher os próprios alimentos. E se eu consegui, então toda a gente o pode fazer”, pensou na altura. Da experiência pessoal à ideia de negócio foi um ápice. Solucionadas as maiores dificuldades, desenhou a Hortini, um serviço de subscrição de pequenos rebentos para plantar em casa. “Identificámos dois processos difíceis — a germinação das sementes e a preparação das culturas adequadas a cada época”, explica.

Diana Mendes tem 30 anos e lançou a Hortini há cerca de um mês c Divulgação

Resumindo, a Hortini dispensa sementeiras — as “plantas bebés” são entregues prontas a plantar diretamente na terra, processo devidamente acompanhado por um manual de instruções — e seleciona automaticamente as culturas favoráveis a cada época do ano. As caixas são entregues quatro vezes por ano — em janeiro, abril, junho e outubro — sempre com um sortido de cinco variedades, no máximo. “Para a caixa de outubro, escolhemos dois tipos de alface, a frisada e a roxa, brócolos, couve portuguesa, para poder ser apanhada a tempo do Natal, e couve coração”, descreve Diana.

Lançado há um mês, o serviço já tem subscritores, mas também já vendeu caixas isoladas, opção dada a quem pretende experimentar sem mais compromissos. O manual que segue com as plantas antecipa dúvidas relativas à rega, à fertilização e à exposição solar. “Notamos que, talvez até devido à pandemia, as pessoas querem ter mais contacto com a natureza. Querem plantas, não só decorativas, mas também que permitam cultivar os próprios alimentos”, continua Diana.

De uma forma geral, a empreendedora traça o perfil dos clientes — pessoas que vivem nas grandes cidades (Lisboa e Porto), muitas delas em apartamentos. “Se uma em cada dez pessoas tiver uma horta na varanda, conseguimos ter uma cidade mais verde. Isso vai promover a qualidade do ar e a biodiversidade, através da relação entre as próprias plantas e do aumento do número de insetos. É uma forma de educar os mais novos — as caixas podem ser cultivadas com a ajuda dos filhos, por exemplo. No caso de hortas comunitárias, estas podem potenciar o convívio entre vizinhos”, sugere.

O formato mais pequeno da caixa Hortini © Divulgação

Para além do desenvolvimento de um serviço útil e prático, Diana carrega o sentimento de missão no campo da ecologia. O valor nutritivo e a confiança nos alimentos cultivados em casa são as vantagens imediatas, mas a consciencialização para uma vida mais sustentável e o lado terapêutico e da conexão com a natureza são os efeitos secundários de um projeto que quer interferir, a longo prazo, na paisagem urbana.

Os planos são, para já, de consolidação. A partir de janeiro, as caixas terão certificação de produção biológica. O valor do plano de subscrição trimestral varia consoante o número de plantas por caixa — podem ser 12, 24 ou 36 e custam 25,99 euros, 39,99 euros e 49,99 euros, respetivamente. Quanto a uma possível expansão, Espanha está na mira, mas antes disso, há milhares de varandas, quintais e terraços portugueses para ajudar a pintar… de verde.

Horta em casa: por onde começar?

Com dois livros publicados — “Uma Horta em Casa” (2015) e “A Minha Horta é Biológica” (2019), em coautoria com o filho, o arquiteto paisagista Miguel Maria Brito — e um mestrado em Agricultura Biológica sob a sua coordenação, Isabel não escapa ao estatuto de guru da horticultura doméstica, incluindo entre quatro paredes. “Há sempre pessoas com o gosto e a motivação, mas falta sempre um empurrão”, admite, ao revelar a intenção por trás dos títulos publicados.

Isabel Mourão e o filho, Miguel © Divulgação

Teoria e prática confluem na terra. Quer dizer, na terra ou no substrato? A primeira despistagem, à qual vem quase sempre associada a dúvida sobre se temos de utilizar estrume para fertilizar os canteiros da varanda, tende a distinguir o composto que compramos em lojas da especialidade ou o solo que recolhemos na rua. O primeiro pode já vir, ou não, fertilizado. O segundo, à partida, já incluirá a matéria orgânica responsável pela mineralização. Isabel fala em adubo orgânico, uma opção disponível no mercado. O cheiro não é agradável, mas a recomendação é usá-lo apenas uma vez por ano.

A certa altura, chegamos a um ponto delicado: a rega. “Sensibilidade para a questão da água é uma coisa que as pessoas não têm”, refere. A dose certa depende de fatores tão diversos como a cultura em questão, a capacidade de drenagem, a exposição ao sol e a temperatura. “Só não se pode fazer nada sem luz”, garante. Seja num terraço, num quintal ou numa varanda, não há sítios vedados à prática de horticultura, nem mesmo uma marquise. “A questão do arejamento não se coloca. A transmissão através das janelas ronda os 85%, há sempre uma absorção da radiação que é feita pelo próprio vidro, o que não tem qualquer problema se o local tiver uma boa exposição solar. Apenas pode tornar-se mais difícil se a marquise tiver, à partida, uma exposição média ou baixa”, explica.

Outra dúvida recorrente: por onde começar? E a resposta é um tanto ou quanto clássica: pelas aromáticas. “Estão muito associadas à gastronomia, logo para começar. Salsa e coentros são as mais representativas, mas há outras — as ervas finas francesas, o tomilho, a hortelã-pimenta, os orégãos. Algumas delas nem têm de ser semeadas todos os anos. No caso destas duas últimas, podem durar anos”, continua. E o nível seguinte? “A alface é a rainha das saladas e extremamente simples, tal como a rúcula, os espinafres e as acelgas. Além disso, todos eles podem ser consumidos ainda em tamanho baby, não é preciso esperar que cresçam completamente”, esclarece a professora.

O livro “Uma Horta em Casa”, da Arteplural. Custa 18,80 euros

No livro editado em 2015, Isabel Mourão redigiu um autêntico guia de sobrevivência para hortas caseiras. A autora usa o conhecimento das raízes das várias espécies como exemplo de como a teoria faz parte de uma boa introdução à horticultura. “É preciso ter noção de profundidade” afirma, ao remeter para a escolha de uma estrutura, que pode ir do simples vaso a um contentor. “A raiz de um tomateiro, por exemplo, vai até um metro de profundidade, não se pode limitar a um vaso de 20 centímetros. Aí, por exemplo, a alface e a rúcula vão dar-se perfeitamente. Já uma cenoura normal precisa de uns 30 centímetros”, detalha.

A drenagem também não deve ser deixada ao acaso. O bom horticultor certifica-se de que um vaso é sempre furado por baixo — mesmo se for um balde ou um alguidar velho reaproveitado, como sugere Isabel — e de que existe sempre um camada de pequenas pedras ou cacos sob o solo, tudo para evitar o encharcamento.

Bons conselhos de um lado, soluções engenhosas do outro. Uma delas chama-se Life in a Bag e nasceu em junho de 2013, em Vila Nova de Famalicão, pela mão de um casal de empreendedores, Alexandra Silva e Pedro Veloso. Nos últimos sete anos, a gama foi crescendo, tendo sempre por case os vasos em cortiça, desenhados para o cultivo de ervas aromáticas e microvegetais. No ano passado, Filipa Alcobia Ferreira e Paulo Destapado, outra dupla engenhosa, criou um vaso auto-irrigável. O Easy Flora foi desenhado para ervas aromáticas e tira partido da porosidade da cerâmica para manter a terra húmida. Vale tudo para facilitar a vida a quem se quer aventurar na agricultura sem sair de casa.