Quando, no passado domingo à noite, atendeu o telefone e percebeu que do outro lado estava a educadora de infância das filhas, Pedro Miguel Ferreira percebeu logo que não podiam ser boas notícias. Na sexta-feira anterior, as gémeas, de três anos e meio, tinham ido pela primeira vez à Escola Básica da Igreja Velha, em São Mamede de Infesta, Matosinhos. Ao todo, tinham lá estado quatro horas apenas: para o impacto não ser tão grande e se ambientarem aos poucos, entraram às 11h e saíram às 15h. Na manhã de segunda-feira, explicou a educadora, já não poderiam voltar: havia um caso suspeito de Covid-19 na turma e todos os restantes 26 alunos da Sala da Paz iam ter de ficar em casa em isolamento profilático, à espera de um contacto do delegado de saúde local.

Digerido o choque inicial — o receio de que as filhas pudessem ficar doentes, esse, permaneceu lá —, o engenheiro de software e a mulher começaram a fazer contas ao fim de semana. Não só tinham passado sábado e domingo fora, com quatro casais amigos, crianças e grávidas incluídas, como tinham também estado com os avós das filhas — se viesse a confirmar-se que estavam infetadas, o impacto não ia ser pequeno.

“Na segunda-feira, ligámos para a escola e a diretora disse-nos que todos os pais iam receber um contacto do delegado de saúde nas 24 horas seguintes, com um código para apresentar na Segurança Social, para justificarmos as faltas ao trabalho. Disse que tínhamos de aguardar. Até agora, ninguém ligou”, contou Pedro Ferreira esta sexta-feira, cinco dias depois, ao Observador.

Porque queria “ficar descansado” (e começar a alertar a família e amigos, caso se colocasse o pior cenário), nesse mesmo dia, assim que soube que a criança suspeita tinha testado positivo, Pedro ligou para o pediatra das filhas, para saber como poderia submetê-las ao teste de deteção do novo coronavírus.

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“Temos seguro de saúde, não queríamos ficar à espera. Foi aí que, para grande surpresa, o médico nos explicou que não podíamos: ‘Agora já entraram no sistema, mesmo que pagassem os 125 euros e fizessem o teste, teria pouca validade dentro do protocolo e o mais certo era que tivessem de repetir depois’, recorda o engenheiro de software. “Disse-nos que estava o caos instalado, que desde que as aulas tinham recomeçado que andava a receber muitas chamadas como as nossas e que havia indicação para poupar testes.”

As autoridades de saúde não dão resposta, os grupos de pais no WhatsApp sim

Face à ausência de novas explicações por parte da escola, que continuava a remeter para as autoridades de saúde, e dado o silêncio da Unidade de Saúde Pública de Matosinhos (USP), que, apesar dos telefonemas insistentes, também não tinha informações para prestar, entrou em ação o grupo de WhatsApp dos pais da Sala da Paz.

Foi por essa via, já na quarta-feira, o terceiro dia de isolamento das crianças, que se percebeu que o aluno infetado afinal só tinha ido à escola na quinta-feira anterior. “Como a mãe, entretanto, testou positivo, na sexta-feira o miúdo já não foi à escola. Ou seja, as minhas filhas nunca estiveram sequer em contacto com ele”, conta Pedro Ferreira, que postou no Twitter, com tags para a Direção-Geral de Saúde, para a Segurança Social e até para António Costa, a saga por que passou na última semana.

Nesse dia, voltou a falar ao telefone com Anabela Afonso, diretora da EB1 da Igreja Velha: “Disse-me que foi tudo muito rápido, que a professora enviou uma listagem dos alunos da turma e que não chegaram a ver que miúdos é que tinham estado ou não na escola — ‘Agora não podemos fazer nada, já foram sinalizadas’. Mandaram a turma toda para casa, mas os irmãos dos miúdos que também andam na escola não receberam ordem para ficar em isolamento, por exemplo”.

Ao Observador, Anabela Afonso confirmou não só o caso positivo de Covid-19 na Sala da Paz como a decisão de mandar todas as crianças para casa, mesmo as que em momento algum se cruzaram com o aluno infetado. “Ninguém se enganou em nada, foi essa a indicação que recebemos, que todas as crianças da turma deviam ficar em isolamento. Limitei-me a cumprir as ordens da direção do agrupamento, dadas pelo delegado de saúde”, explicou a diretora da escola ao telefone.

“As medidas foram acionadas de imediato e a escola informou diretamente os pais da sala inteira, logo no dia, que até era fim de semana. O único atraso que há é com a DGS, que ainda não emitiu as declarações, mais nada”, acrescentou ainda, remetendo mais explicações para a direção do Agrupamento de Escolas Abel Salazar, em Matosinhos.

Contactada pelo Observador, a responsável pelo agrupamento declinou prestar quaisquer declarações, alegadamente por “não ter autorização da DGESTE [a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares] para falar com jornalistas”.

O Observador contactou também a Administração Regional de Saúde do Norte, no sentido de perceber por que motivos não foram os pais das crianças contactados dentro do prazo previsto, mas até ao momento não obteve resposta.

Cinco dias de isolamento depois, as gémeas vão voltar à escola — mas não à EB1 da Igreja Velha

Uma vez afastado o receio de ter as filhas infetadas e com alguma tranquilidade a nível profissional, na quinta-feira Pedro Ferreira decidiu trabalhar para outro objetivo: fazer com que as gémeas pudessem regressar à escola. “Tanto eu como a mãe delas temos alguma facilidade em trabalhar a partir de casa. Estamos a meio gás, mas há pais que estão pior, soubemos pelo grupo que há pelo menos uma mãe que já foi pressionada pela entidade patronal e que até ao momento não tem nada para justificar a ausência ao trabalho, sendo que, num prazo de cinco dias úteis, temos de ter justificação de falta ao emprego, sob risco de despedimento com justa causa.”

Se as filhas não tinham estado em contacto com a criança infetada, que aliás nunca tinham sequer visto, não fazia sentido continuarem em isolamento, explicou o engenheiro de software repetidamente a quem lhe ia atendendo o telefone na Unidade de Saúde Pública de Matosinhos. “À terceira vez deram-me um endereço de e-mail, disseram-me para escrever a contar o que tinha acontecido. Enviei ontem às 20h30, hoje às 9h30 tinha uma resposta: as minhas filhas podiam voltar à escola.”

O e-mail, remetido na manhã desta sexta-feira pela USP de Matosinhos, é curto e sucinto: “A situação está a ser acompanhada pelo Delegado de Saúde da MAIA, sendo que se as crianças só frequentaram dia 18, não se justifica fazerem quarentena, podendo retomar a frequência letiva”.

Aliviado por, cinco dias de isolamento injustificado depois, a situação estar finalmente resolvida, Pedro Miguel Ferreira não esquece os outros pais, que continuam esta sexta-feira à espera de um primeiro contacto que devia ter acontecido na passada segunda-feira.

“Os outros pais continuam no escuro. As pessoas ficam completamente de mãos atadas, porque entram num processo ultra burocrático e ultra inflexível, com figuras a que é impossível chegar. Para mim, o delegado de saúde não existe sequer. Já para não dizer que tudo isto me levanta muitas dúvidas sobre a provisão de testes que existe e a capacidade de testagem.”

Na próxima segunda-feira, com o e-mail assinado pelo “delegado de saúde” de Matosinhos (assim, sem nome associado) a atestar a ausência de infeção, as gémeas vão finalmente regressar à escola — mas não à EB1 da Igreja Velha. “O nosso problema está resolvido, mas decidimos que, pelo menos até ao final do ano, não vão voltar para a escola pública”, explica Pedro Ferreira.

“Na segunda-feira regressarão à escola antiga, privada, que tem apenas 8 crianças na sala. Por uma questão de segurança e de probabilidades, vamos deixá-las ali. O custo pode ser muito mais elevado, mas o risco de voltarmos a passar por tudo isto é muito menor.”