Este livro de Isaiah Berlin (1909 – 1997), por um daqueles acasos em que a História intelectual é pródiga, ficou mais conhecido por uma brincadeira do que pela sua substância. A ideia do ouriço e da raposa, baseada no epigrama clássico que, de certa forma, efabula a conhecida frase “cuidado com o Homem de um livro só”, motivou Berlin a dividir os escritores entre ouriços — aqueles que têm uma ideia fundamental – e raposas – os mais dispersos.
A ideia nem é especialmente nova nem especialmente necessária. No fundo não é muito diferente da divisão entre idealistas ou realistas, ou entre sistemáticos e analíticos, e redunda na sempre costumeira e simplista divisão entre Platão e Santo Agostinho para um lado, Aristóteles e São Tomás para outro, quando obviamente podíamos baralhar as cartas se dividíssemos os filósofos entre os Cristãos e os Pagãos, ou entre aqueles que acreditam na indeterminação da vontade e os que acreditam na sua corrupção.
Berlin sabe que esta separação é apenas um divertimento (é ele próprio que o admite), que satisfaz o gosto quase universal pelas listas e pelas ideias simples; no entanto, é esta brincadeira que dá origem ao lado mais sério deste ensaio. Tolstoi seria o melhor exemplo de um autor que excede esta categorização porque tanto pode ser um ouriço como uma raposa. Na formulação de Berlin, aliás, Tolstoi é uma raposa convencida de que é um ouriço. Os seus romances estão construídos com o propósito de encontrar ou demonstrar uma ideia orientadora, mas o génio de Tolstoi está intimamente ligado à sua capacidade de encontrar nuances, de pressentir o dissonante. As grandes ideias, para Berlin, perdem sempre em nitidez; ora, o que é característico de Tolstoi é a sua resistência a perder a focagem. As grandes ideias são prejudicadas pela sua propensão natural para encontrar a diferença, aquilo que destoa, isto é, para fazer o contraditório das suas próprias teses.
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