Se já foi ao centro de saúde durante a pandemia, deve estar familiarizado com o ritual: desinfetar as mãos à entrada e colocar uma máscara cirúrgica dada por um segurança ou profissional de saúde. É isso que preveem as normas da Direção-Geral da Saúde — que dentro das unidades de saúde todos usem máscaras cirúrgicas, fornecidas pela própria instituição —, mas não é isso que está, de facto, a acontecer em todos os locais.

Na Unidade de Saúde Familiar (USF) Íris, na Maia, por exemplo, alguns dos utentes — “os que vêm apenas deixar ou levantar documentos e não ficam na unidade” — não são obrigados a usar uma máscara cirúrgica e “mantêm a sua máscara comunitária”, diz André Nóbrega, médico de Medicina Geral e Familiar na unidade. Já os utentes que vão para o atendimento presencial tem de trocar para uma máscara cirúrgica.

Já na USF Conde Saúde, na Quinta do Conde, os utentes podem entrar com a sua máscara comunitária caso ela se encontre em condições. Caso a máscara do utente não esteja em condições ou caso não leve nenhuma, o centro de saúde fornece-lhe uma máscara cirúrgica. Armando Brito de Sá, médico de Medicina Geral e Familiar na unidade de saúde, diz que o uso de máscaras cirúrgicas é uma recomendação e que, já depois disso, a DGS emitiu orientações sobre o uso de máscaras comunitárias em espaços fechados. “Verificou-se, assim, uma evolução num sentido menos fechado e menos restritivo.”

Na consulta externa do Hospital Garcia de Orta, em Almada, também não é pedido aos utentes que troquem de máscara à entrada, mesmo quando levam uma máscara comunitária. Já nas urgências do mesmo hospital, todos os doentes devem trocar a máscara que levam. Ambas as situações foram reportadas por utentes do hospital.

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“Para o tipo de contacto que é efetuado, as máscaras comunitárias, com base no conhecimento disponível, fornecem proteção adequada às pessoas”, diz Armando Brito de Sá, para justificar a opção da USF Conde Saúde. “Todos nós [profissionais de saúde] usamos máscara cirúrgica todo o tempo e FFP2 [máscaras que filtram 94% dos aerossóis] e viseira em situações clínicas que o justifiquem.”

Questionada sobre se a utilização de máscara cirúrgica nas unidades de saúde é um dever ou uma recomendação, fonte oficial da DGS recorda a norma 007/2020 que “estabelece que todos os doentes entrem nas unidades de saúde com máscara cirúrgica e que as unidades têm o dever de a facultar aos doentes ou acompanhantes (no caso das crianças)”. E as normas, segundo a DGS, sobrepõe-se às orientações ou demais informações desta autoridade de saúde.

O médico da Quinta do Conde, porém, tem outra opinião: “Parece-nos ser perfeitamente razoável o uso de máscaras comunitárias no nosso contexto. Na verdade, o cumprimento das regras de distanciamento, máscara e higienização de espaços e mãos nas unidades de saúde são mais rigorosas que em qualquer outro espaço fechado”, afirma Armando Brito de Sá.

O médico garante ainda que a opção não é para poupar máscaras: “Nunca sentimos que houvesse falta de máscaras, que nos chegam regularmente e em quantidade”. Mas admite que é “uma questão de bom senso e boa governação fazer uma gestão judiciosa das máscaras desde que não se coloque ninguém em risco”. E assegura: “Está a correr bem.”

Ao Observador, fonte oficial da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS-LVT), responsável pela “compra e distribuição de máscaras cirúrgicas pelas unidades de saúde dos cuidados primários do Sistema Nacional de Saúde na sua área de atuação”, garantiu que que não há falta de máscaras e que “têm sido fornecidas semanalmente, e nas alturas de maior afluência bissemanalmente, de modo a não existirem falhas de stock”.

O que dizem os documentos da DGS?

A norma 007/2020, de 29 de março, diz, de facto, que “deve ser fornecida máscara cirúrgica a todos os doentes, com ou sem sintomas respiratórios ou febre, no momento da entrada na unidade de saúde”. Mas a orientação da DGS número 019/2020, de 3 de abril, diz que “a utilização de máscara cirúrgica está recomendada a todas as pessoas com sintomas de infeção respiratória (nomeadamente, febre, tosse ou dificuldade respiratória) que estão em contacto com outras pessoas, e para todas as pessoas no interior de instituições de saúde”.

Na informação 009/2020, de 13 de abril, o uso de máscaras é alargado à comunidade: “Aplicando-se o Princípio da Precaução em Saúde Pública, é de considerar o uso de máscaras por todas as pessoas que permaneçam em espaços interiores fechados com múltiplas pessoas”. A nota deixa, no entanto, um alerta “para a necessidade do uso da máscara pela população não diminuir a sustentabilidade de acesso a máscaras pelos doentes e profissionais de saúde, que constituem os grupos prioritários para o uso de máscaras cirúrgicas”.

Sobre a interpretação divergente em algumas unidades de saúde, a ARS-LVT e a DGS  ainda não responderam às perguntas do Observador. A DGS informa, no entanto, que “está a ser produzida uma nova orientação relacionada com as máscaras”, conforme foi também anunciado em conferência de imprensa.