Quando aceitam um projeto, Clea Shearer e Joanna Teplin, da empresa The Home Edit, nunca sabem o que vão encontrar — e podem, efetivamente, encontrar de tudo um pouco. Afinal, organizar armários, despensas, escritórios ou cozinhas, entre outros exemplos, implica partir à descoberta e abrir gavetas alheias. Curiosamente, ao duo preocupam mais as gavetas das mesinhas de cabeceira do que aquelas que dão guarida à roupa íntima dos clientes.

Sobretudo para quem tem Netflix, Shearer e Teplin correm o risco de ser companhias assíduas por estes dias — caso sofra de uma estranha compulsão em arrumar a casa é porque, provavelmente, passou os olhos por alguns, senão todos, os novos episódios estrelados pela dupla. As organizadoras profissionais — as “gurus” da organização dos famosos, como lhes chama a revista norte-americana People — são protagonistas do programa “Get Organized with The Home Edit”, que ocupou a plataforma de streaming no início de setembro para nos mostrar como “editar” diferentes divisões da casa, uma lógica que num ápice faz lembrar o período dourado comandado pela mestre japonesa da arrumação Marie Kondo.

© The Home Edit/Facebook

A estratégia é particularmente diferente daquela apresentada por Kondo, que aposta sobretudo no minimalismo. Já as criadoras da empresa The Home Edit insistem na aquisição de recipientes e outras estruturas de arrumação em cada um dos projetos em que se envolvem — tanto que notícias mais recentes dão conta de uma significativa adesão de norte-americanos a lojas da especialidade. Ainda assim, Clea Shearer e Joanna Teplin não têm problemas em admitir que foram iniciativas como a de Marie Kondo que abriram espaço para que o negócio singrasse.

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A primeira temporada do programa, produzido por Reese Witherspoon e Molly Sims, é composta por oito episódios e, como não podia deixar de ser, é a atriz de “Legalmente Loira” que surge na estreia, a dar o pontapé de saída. Cada um dos episódios mostra duas divisões a “editar”, uma pertence a uma celebridade, outra a uma família comum norte-americana. Famosos como Khloé Kardashian, Rachel Zoe, Eva Longoria e até Neil Patrick Harris estão entre os clientes destas arrumadoras profissionais, pelo que não é de todo desmedido que a oportunidade de ver o interior das suas casas seja um fator de sucesso do projeto — a 21 de setembro, a People dedicava quatro páginas ao negócio, numa altura em que este somava 1.6 milhões de seguidores no Instagram; à data de publicação deste artigo contam-se 3.9 milhões.

A isso acrescem a linha de acessórios de organização criados pela The Home Edit, outra de produtos de limpeza, um livro bestseller e um segundo publicado em meados de setembro. Em junho, antes da estreia na Netflix, a empresa anunciou que ia começar operações em mais 11 cidades além daquelas onde já antes trabalhava (Nova Iorque, Los Angeles e Nashville). O duo cobra 185 a 250 dólares por hora (158 a 214 euros, respetivamente).

© The Home Edit/Facebook

Naturalmente que o programa não é para todos os gostos, sobretudo se tivermos em conta a por vezes exagerada receção que Clea Shearer e Joanna Teplin fazem aos clientes (incluindo os famosos) e os desafios que as mesmas têm pela frente: vê-las organizar o closet do filho de Eva Longoria, de apenas dois anos, pode ser em parte perturbador pelo facto de a criança ter um amontoado impressionante de roupa. Mas a verdade é que Clea e Joanna, duas mães que há cinco anos estavam desempregadas e tinham acabado de se mudar para Nashville por causa dos maridos, parecem ter acertado no jackpot da arrumação doméstica.

Para isso contribuíram os contactos do marido de uma delas, que fotografa profissionalmente estrelas da música country. A proximidade com algumas celebridades, incluindo Selma Blair e Christina Applegate, serviu de rampa de lançamento para o negócio, com as duas atrizes já referidas a espalhar a palavra, a qual viajou em 2017 até aos ouvidos de Gwyneth Paltrow, o primeiro grande trabalho da dupla de organizadoras. De acordo com a The New York Times Magazine, que no início de setembro dedicou um extenso artigo ao projeto depois de 9 meses a acompanhá-las, são poucas as celebridades cujo apoio é suficiente para fazer depender toda uma carreira — Paltrow é uma delas (bem como qualquer membro do clã Kardashian).

The New York Times featuring a profile on us is… staggering. Written by, Amanda FitzSimons, this story took *9 months*…

Posted by The Home Edit on Friday, September 4, 2020

Seja no programa, seja na vida real, Clea e Joanna separam, categorizam e arrumam objetos de diferentes divisões ao ponto de tornar a organização aspiracional uma espécie de luxo, sobretudo numa altura em que a pandemia veio mudar a relação que temos com o espaço em que vivemos. A imagem de marca do trabalho da dupla, continua a The New York Times Magazine, é até equiparada a uma espécie de “pornografia da organização” capaz de encher as medidas do Pinterest. Dela fazem parte prateleiras brancas e imaculadas, nunca totalmente cheias, e com as diferentes caixas separadas entre si de forma milimetricamente estudada, além de despensas artísticas e objetos organizados de acordo com as cores do arco-íris (mais evidente nas estantes de livros, situação que fez o britânico The Guardian questionar-se sobre se algum tipo de leitura está ou não efetivamente a acontecer). Não esquecer as etiquetas com a caligrafia de Shearer que, se no início eram concebidas à mão, agora são vendidas para ajudar a completar o look final.

© The Home Edit / Facebook

Parte do sucesso poderá também pender na relação das duas mulheres, cuja empatia é notória. Uma loira, outra morena, ambas continuamente vestidas de calças de ganga justas e de ténis nos pés, que enfatizam um estilo de vida que se pode resumir ao slogan estampado nas t-shirts que também vendem: “Surviving Not Thriving” (“sobreviver, não prosperar”, em português). Aliás, antes de o programa chegar à Netflix, as stories cómicas no Instagram entretinham os já muitos milhares de seguidores. O certo é que Shearer e Teplin viram uma oportunidade de negócio em organizar e estilizar os espaços que não ficam à vista desarmada de visitas e com os quais ninguém se realmente preocupava — das despensas (uma pesquisa pela hashtag #pantry no Instagram leva-nos a mais de 400 mil publicações) aos frigoríficos.

© The Home Edit / Facebook

Naturalmente que o negócio não está imune a críticas, até porque há elementos no método aplicado que podem não ser particularmente práticos — afinal, quanto tempo dura uma despensa ou um closet imaculado? Goste-se ou não, o The Home Edit tem uma forte presença nas redes sociais, nas quais é possível encontrar comentários como estes: “O meu marido perguntou: ‘Porque é que estás a ver outras pessoas a fazer tarefas?”. Depois, viu o programa comigo… Hoje conseguimos estacionar dois carros na nossa garagem pela primeira vez em cinco anos!” ou “O meu filho de 17 anos está a ameaçar cancelar a subscrição da Netflix caso eu não pare de organizar coisas”.