Mário Centeno era ministro das Finanças quando o Estado português acertou a venda do Novo Banco à Lone Star. Era ele que ocupava a tutela quando foram acertados os termos da venda, um processo que Centeno diz ter sido feito pelo Banco de Portugal. Hoje, Mário Centeno é governador do Banco de Portugal e assiste ao debate em torno do Orçamento para 2021, que gira em torno de não incluir no exercício orçamental uma nova injeção do Estado no Fundo de Resolução (que, por sua vez, cobre as perdas do Novo Banco com ativos tóxicos herdados do BES).

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E face a essa exigência do Bloco de Esquerda, o governador Mário Centeno defende os termos da venda, considerando que são “de evitar” quaisquer decisões que coloquem em causa a estabilidade do sistema financeiro. Ou seja, não ponham em causa a recuperação prevista do Novo Banco.

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“Creio traduzir um sentimento generalizado quando digo que não queremos voltar a viver períodos dessa natureza [de instabilidade do sistema financeiro]. Todas as decisões que coloquem em causa a estabilidade do sistema financeiro são de evitar”, afirmou Mário Centeno na conferência de imprensa de apresentação do Boletim Económico de outubro, em Lisboa.

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Por outras palavras, as decisões que venham a ser tomadas no OE2021 devem respeitar “o cumprimento das obrigações que o Estado português assumiu em nome da estabilidade do país”. Mas abriu a porta a alternativas – “há sempre alternativas” – sem explicitar.

Num acordo, salientou o ex-ministro, as várias partes assumem compromissos e todas devem cumpri-los: “É expectável que todos cumpram as suas obrigações, incluindo o Novo Banco e as autoridades europeias que connosco tomaram decisões no passado”, disse.

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O acordo de venda do Novo Banco prevê, através de um mecanismo contingente, que o Fundo de Resolução (que detém 25% do banco, enquanto a Lone Star tem 75%) cubra perdas do banco com ativos tóxicos que ficaram do BES até 3.890 milhões de euros. Até hoje, já foram injetados 2.976 milhões de euros (dos quais 2.130 milhões de euros vieram de empréstimos do Tesouro) e poderão transferidos ser mais 900 milhões de euros nos próximos anos.

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Alguns dos principais bancos portugueses têm estado a negociar um empréstimo ao Fundo de Resolução bancário (para que este não tenha de pedir dinheiro ao Tesouro para pôr no Novo Banco), colocando em cima da mesa condições como alteração ao modo de financiamento do Fundo de Resolução, alargando o âmbito da incidência e as entidades contribuintes, como noticiou o Observador na semana passada.

Banco de Portugal considera “alcançável” défice de 7% este ano

Por outro lado, o Banco de Portugal (BdP) considera “alcançável” um défice orçamental de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano, de acordo com o Boletim Económico de outubro.

“Apesar da incerteza relativa aos desenvolvimentos orçamentais, o objetivo de défice orçamental para 2020 de 7,0% do PIB afigura-se alcançável”, afirma a entidade liderada por Mário Centeno no relatório.

O Governo apresentou esta terça-feira aos partidos as linhas gerais da proposta de Orçamento do Estado para 2021 (OE2021), em que incluiu uma previsão do défice entre 7% e 8% do PIB, segundo o PAN e o CDS-PP.

Ainda segundo o Boletim Económico do Banco de Portugal, o saldo orçamental é impactado quer pela crise provocada pela pandemia de covid-19 quer pelas medidas tomadas pelo Governo para a combater. No primeiro semestre, as medidas tiveram um impacto de 1,8% do PIB no saldo e no conjunto do ano o impacto deverá ascender a cerca de 3% do PIB.

Na conferência de imprensa em que apresentou o Boletim Económico, o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno (tomou posse em julho), deixou elogios às medidas tomadas pelas autoridades (nacionais e europeias) aquando do início da crise desencadeada pela covid-19, altura em que era ministro das Finanças do atual Governo.

“A resposta das autoridades à crise foi célere”, afirmou, acrescentando que “todas as autoridades reagiram em simultâneo e de forma coordenada”. No total, disse, a resposta europeia atingiu os seis biliões de euros.

A nível nacional, acrescentou, a resposta centrou-se no apoio às famílias e às empresas.

“Tentámos proteger a economia da queda significativa que enfrentámos, daí que muitas medidas serviram de paraquedas, mas tentámos também, em conjunto com todas das autoridades, dar a tónica para a recuperação”, afirmou.

Segundo Centeno, o ‘lay-off’ simplificado foi “uma das medidas mais eficazes”, evitando uma queda maior do emprego e citou um inquérito do Banco de Portugal e do Instituto Nacional de Estatística (INE) às empresas nas semanas mais agudas da crise sanitária, referindo que esse estudo conclui que a queda do emprego teria sido de quase 20% sem o ‘lay-off’ simplificado e que devido a essa medida a redução no emprego ficou próxima de 7%.

“O ‘lay off’ evitou a destruição maciça de emprego”, afirmou, acrescentando que também as motatórias bancárias permitem a empresas e famílias acesso a “liquidez que de outra forma nao estaria disponível”.

Para Centeno, quase 300 mil famílias e 22% das empresas não financeiras têm créditos com moratórias.

Entre as medidas com impacto financeiro, Centeno falou ainda das linhas de crédito com garantia de Estado, referindo que 26% das empresas com crédito acederam a estas linhas.

Ainda assim, afirmou, no primeiro semestre deste ano houve em termos homólogos “quedas inéditas” quer do PIB (9,4%) quer do Valor Acrescentado Bruto (VAB, 8,8%), referindo que no caso do VAB a queda foi concentrada nos setores de comércio, alojamento e restauração. Já a construção é o “setor que resiste à crise”.

Quanto à dívida pública, refere o Boletim Económico que, apesar de a crise ter interrompido “a trajetória de redução do rácio da dívida pública”, “as condições de financiamento mantêm-se favoráveis”.

No final do primeiro semestre, o rácio da dívida pública (na ótica de Maastricht) situou-se em 126,1% do PIB (mais 8,9 pp face ao final de 2019).

Em 23 de setembro, no reporte a Bruxelas sobre Procedimento dos Défices Excessivos, o Ministério das Finanças estimou que a dívida bruta das Administrações Públicas (consolidada) vai subir para 133,8% do PIB no final do ano. Este valor fica acima dos 119,5% de março, mas abaixo dos 134,4% avançados no Orçamento do Estado Suplementar.