A Igreja de Inglaterra tem colocado a sua reputação acima do bem-estar físico, emocional e espiritual das crianças e jovens vítimas de abusos sexuais, revelou um novo estudo independente. Além disso, a cultura de deferência e o clericalismo, “que significava que a autoridade moral do clero é amplamente entendida como irrefutável”, fazem da Igreja de Inglaterra um lugar onde os abusadores se podem esconder.

“A cultura da Igreja de Inglaterra facilitou que esta se tornasse num local onde os abusadores se podem esconder”, lê-se nesse relatório de 154 páginas divulgado esta terça-feira. “No contexto dos abusos sexuais de crianças, a negligência da Igreja pelo zelo do bem-estar físico, emocional e espiritual das crianças e e dos jovens, em troca da proteção da sua reputação [da Igreja], não condizia com a sua missão de amor e atenção aos inocentes e vulneráveis.”

Muita consideração para os agressores e nenhuma para as vítimas

O relatório recorda ainda ocasiões em que no seio da Igreja de Inglaterra, perante denúncias de abusos sexuais, foi dada “demasiada atenção às circunstâncias dos alegados agressores quando comparada com a atenção dada aos que revelaram ter sido  sexualmente abusadas”.

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Para ilustrar esse argumento, o relatório refere o caso de Robert Waddington, clérico da Catedral de Manchester, que foi acusado durante vários anos de abusar sexualmente de menores mas que, apesar disso, pôde continuar a frequentar aquele local religioso por causa da sua “idade e fragilidade”. Também é referido o caso de outro clérico, Ian Hughes, que fez o download de mais de 8 mil fotografias “indecentes” de crianças. Apesar de isso ter ficado provado, o bispo Peter Forster comentou o caso dizendo que Ian Hughes tinha sido “induzido em erro” e desculpando-o ao referir que “a pornografia está disponível em todo o lado”.

O estudo foi realizado ao longo do último ano e contou com a participação de Justin Welby, arcebispo de Canterbury, de John Sentamu, antigo arcebispo de York, além de vítimas de abuso sexual e especialistas em proteção de menores, dentro e fora da instituição. Surgiu no seguimento do inquérito independente pedido em 2014 pelo governo do Reino Unido para examinar como é que as instituições britânicas, incluindo a Igreja, protegiam as crianças de predadores sexuais.

Recomendações passam pelo afastamento de clérigos de supervisão de denúncias

Na parte final do relatório, são deixadas várias recomendações. Uma delas passa por tirar das mãos dos clérigos da Igreja de Inglaterra o processo de receção e ponderação das denúncias que são feitas dentro daquela instituição. Em vez disso, estes assuntos passarão a ser tratados pela National Safeguarding Team (um órgão independente criado dentro da Igreja de Inglaterra), as autoridades judiciárias e também a Charity Commission (órgão estatal).

De acordo com o estudo, os bispos não devem continuar a ser responsáveis pela proteção de crianças, um tarefa que deve ser antes atribuída a profissionais. Estes estão “em melhor posição para decidir que casos devem ser encaminhados para a polícia ou serviços sociais e que ações devem ser tomadas pela Igreja para manter as crianças a salvo”.

(Nota: Artigo atualizado às 18h45 de 6 de outubro de 2020, com mais informações sobre o relatório em causa)