O edifício Joseph Gire, mais conhecido como “A Noite”, ícone arquitetónico dos anos 1930 e o primeiro arranha-céus da América Latina, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será leiloado pelo Governo brasileiro.

O edifício foi inaugurado em 1929 com 22 andares e 102 metros de altura, tornando-se um símbolo da modernidade na “cidade maravilhosa”, então capital do Brasil. Agora, passados mais de 90 anos, o prédio que foi sede de empresas multinacionais, embaixadas, agências de notícias, jornais e rádios espera renascer como um hotel ou centro residencial de luxo depois de um leilão já autorizado, ainda sem data marcada. O edifico tornou-se uma dor de cabeça para o Governo brasileiro, que teve de assumir os custos totais de manutenção o que motivou à oferta pública do imóvel cujo preço mínimo previsto é de 90 milhões de reais (cerca de 13,8 milhões de euros).

O edifício “A Noite” marcou a história da engenharia no Brasil, mas também dos ‘media’ brasileiros, especialmente a rádio. A ideia de construir um edifício monumental nasceu de António Rocha, quando assumiu a direção do jornal A Noite, considerado o mais importante da época. Embora trabalhasse no jornalismo, Rocha era engenheiro de profissão e queria que o jornal tivesse uma sede própria num prédio moderno que refletisse o impacto e a força de A Noite, como já acontecia com os principais jornais do mundo.

Após um ano de sua inauguração, o prédio ardeu durante a revolução de 1930 em atos violentos orquestrados contra todos os jornais que apoiavam o Governo do ex-presidente Washington Luis. A revolta deu lugar a um golpe de Estado que colocou Getúlio Vargas no poder.

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“Getúlio Vargas mandou sua milícia botar fogo no jornal A Noite porque era um jornal contrário ao seu movimento”, disse à Efe Roberto Cabot, artista plástico e bisneto do arquiteto francês Joseph Gire, um dos projetistas do arranha-céus.

Recebi uma carta do meu avô, escrita pelo meu bisavô, Josepfh Gire, onde ele descreve como viu máquinas sendo atiradas de janelas, escrivaninhas, móveis, tudo de janelas! E então eles incendiaram, mas o fogo não afetou [o prédio] justamente porque era de cimento, se fosse de metal, de estrutura de aço, eles teriam demolido, mas como era de concreto armado não aconteceu nada, acrescentou Cabot.

Apesar do ocorrido, o grupo A Noite foi se fortalecendo e alguns anos depois, além do jornal e do prédio, fundou a Rádio Nacional. Na época, sob gestão do grupo, a propriedade hospedava multinacionais como a companhia aérea PanAm e a fabricante de eletrodomésticos Philips, além das agências de notícias “La Prensa” e a “United Press Association”. Também se instalaram no prédio empresas de luxo, como a do arquiteto franco-brasileiro Lúcio Costa (1902-1998), que idealizou o projeto-piloto de Brasília, cidade moderna construída na década de 1960 por Oscar Niemeyer e que hoje é a capital do país.

Em 1940 o local tornou-se palco de um dos fenómenos culturais mais importantes do Brasil, quando o Governo brasileiro nacionalizou e transformou a Rádio Nacional num epicentro cultural sem igual. A rádio, que começou a funcionar no 20.º andar, cresceu para ocupar quatro andares completos. Berço do rádio-drama e da Música Popular Brasileira (MPB), um dos principais movimentos do país, a Rádio Nacional divulgou grandes artistas e as grandes estrelas.

Símbolo do modernismo, o icónico prédio foi projetado pelo arquiteto francês Joseph Gire (1816-1933) em parceria com o brasileiro Emilio Bahiana (1891-1980) no estilo “Art Déco”. Além de ser o primeiro arranha-céus da América Latina, “A Noite” foi o primeiro edifício com mais de 100 metros construído em betão. Até então, pensava-se que era impossível construir uma estrutura tão alta apenas com betão armado, pois o peso poderia levar ao seu colapso. Muitas cabeças e mãos trabalharam juntas para tornar essa ideia realidade. Além de toda a equipa de arquitetos e engenheiros, cerca de 12.000 trabalhadores ajudaram na construção.

‘A Noite’ foi um símbolo muito importante [naquela época]. Cada andar erguido era motivo de comemoração e o povo aplaudia, pois era um acontecimento, concluiu Cabot.