O Governo já mostrou aos partidos as principais contas para o próximo ano, que incluem um défice de 4% em 2021, deixando a esquerda incomodada com o ritmo acelerado de redução. Só que, na verdade, o cenário em que João Leão assenta pode nem exigir um grande esforço para atingir esse objetivo.

Ainda não são conhecidas as medidas do Orçamento do Estado para 2021, mas, a confirmar-se o crescimento previsto, o Governo pode aproveitar as receitas fiscais e — num cenário em que a pandemia não seja tão grave — deixar de dar tantos apoios a famílias e empresas para fazer face à crise.

Isto num contexto em que, nesta fase, os governos europeus têm a “bênção” de Bruxelas para gerirem défices elevados, sem que se saiba quando voltará a pressão europeia para o cumprimento das regras do procedimento por défice excessivo.

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O ministro das Finanças, João Leão, espera um aumento do PIB de 5,5% em 2o21 (não muito distante dos 5,2% previstos no verão pelo Banco de Portugal) e, por arrasto com esse crescimento, deverá contar com um aumento das receitas com impostos. O supervisor da banca previu em junho um aumento do consumo privado de 7,7% no próximo ano, o que, a verificar-se, terá consequências positivas no IVA — o mais importante de todos os impostos para o Estado e que, no ano passado, valeu 37% de toda a receita arrecadada —, mas também nos impostos especiais de consumo (sobre o tabaco, o álcool e produtos petrolíferos).

Em contraponto, o IRC deve ter uma quebra com alguma dimensão, tendo em conta que as empresas pagam o imposto por antecipação, pelos previsíveis lucros que vão ter, fazendo um acerto com o fisco no ano seguinte. Ou seja, o Estado vai pagar parte da fatura da crise deste ano em 2021.

Além disso, há um efeito automático do crescimento do PIB sobre o défice. Mesmo que o Estado tivesse em 2021 exatamente o mesmo nível de despesas e receitas do que previu para este ano (13.972 milhões de défice, segundo o INE), teria no próximo ano um saldo negativo de 6,6% — quatro décimas de melhoria sem que João Leão tivesse de alterar uma vírgula na execução orçamental.

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O Governo deverá ainda retirar parte dos apoios introduzidos, num contexto do que se espera ter um forte crescimento económico em 2021 — que a concretizar-se, será o maior desde 1990 (quando se registou um crescimento de 7,9%), embora não o suficiente para regressar ao nível de riqueza de 2019, porque a recessão esperada em 2020 é de 8%.

O défice deverá atingir este ano entre 7% e 7,5% do PIB, de acordo com as projeções do Governo, mas uma parte considerável desse “rombo” será diretamente atribuível a medidas temporárias do Governo para fazer face à crise. No boletim de outono publicado esta terça-feira, o Banco de Portugal quantifica o pacote de estímulo orçamental para 2020 em 2,7% do PIB.

A dimensão do programa de estímulo orçamental do Governo português em resposta à pandemia ficou abaixo da média face ao esforço dos parceiros da moeda única, em que “as medidas discricionárias dos países da área do euro atingiram cerca de 4% do PIB”, mas ainda vale cerca de um terço de todo o défice previsto por João Leão para este ano.

Depois de um primeiro semestre em que as medidas extraordinárias para lidar com a crise tiveram “um impacto de 1,8% do PIB no saldo”, o Banco de Portugal explica que o défice no segundo semestre “continuará a ser afetado pela crise e por medidas adotadas para a combater”, num total de cerca de 3% do PIB anual.

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De entre essas medidas, o layoff simplificado foi nos primeiros seis meses do ano uma das medidas com maior impacto orçamental. “A soma do subsídio pago às empresas e da isenção de contribuições sociais teve um impacto orçamental no primeiro semestre de 0,4% do PIB de 2020”, indica o Banco de Portugal.

Depois, uma série de apoios ao rendimento valeram 0,1% do PIB no primeiro semestre, “como a criação do apoio extraordinário à redução da atividade económica dos trabalhadores independentes, o apoio excecional à família — associado à interrupção letiva e aplicável quando nenhum dos progenitores pudesse realizar teletrabalho — e o subsídio de isolamento profilático”, bem como o prolongamento excecional das prestações de desemprego e o rendimento social de inserção cujo prazo de concessão terminasse até 30 de junho.

Há que juntar também “despesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com equipamentos de proteção individual, medicamentos e ventiladores”, que teve um efeito de 0,1% do PIB no saldo dos primeiros seis meses. E ainda “outras medidas associadas à pandemia, que abrangem a aquisição de equipamento de proteção individual e a adaptação de postos trabalho na administração pública, assim como medidas regionais ou locais, incluindo 50 milhões de euros do empréstimo de 132 milhões de euros à SATA”, também com impacto de 0,1% do PIB.

Apesar de tudo indicar que haverá “uma desaceleração do impacto orçamental em julho” com estas medidas extraordinárias, o Banco de Portugal sublinha que “durante o segundo semestre do ano muitas das medidas referidas estarão em vigor e deverão ainda materializar-se os impactos de novas medidas”.

Estão em causa, nomeadamente, “a alteração das regras relativas aos pagamentos por conta de IRC, os instrumentos de apoio às empresas que sucedem ao layoff simplificado e o reforço das medidas de apoio ao rendimento e ao setor da aviação”.

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No total, as medidas de layoff deverão custar o equivalente a 0,9% do PIB e, ainda do lado da receita, o impacto, “excluindo a isenção de contribuições no contexto do layoff, rondará os 0,6% do PIB em 2020”. Na Saúde, todas as medidas deverão ficar por 0,3% do PIB, a mesma dimensão dos apoios ao rendimento. Sobram ainda 0,6% em outras medidas.

Para 2021, não é expectável que haja uma retirada completa dos apoios, mas, segundo apurou o Observador junto de fontes partidárias, o Governo estará a trabalhar com um cenário em que não existe mais confinamentos e em que a pandemia recua no segundo semestre de 2021. Se esse for o caso, representará uma forte poupança face a 2020, mais ainda com o vento do PIB a soprar a favor.

São, no entanto, cenários feitos num contexto imprevisível. Qual será a evolução da pandemia? Como é que vão reagir as empresas e as famílias no próximo ano? Será que o turismo terá melhorias? E o desemprego, confirma os níveis previstos? Qual será, por arrasto, a pressão sobre as contas da Segurança Social? Mas, por outro lado, até que ponto Portugal sentirá já, em 2021, o impacto positivo dos fundos europeus? A resposta a estas e muitas outras questões será fundamental para definir o curso orçamental em 2021.

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