O empresário Pedro Ferraz da Costa diz que se a geringonça continuar a condicionar a política do Governo, Portugal continuará a empobrecer e lamenta que o PS esteja muito diferente do partido liderado por Mário Soares ou António Guterres.

Se continuarmos com uma política condicionada pela existência da ‘geringonça’ vamos ter imensa dificuldade em sair desta situação. Vamos continuar a empobrecer alegremente e a baixar o nosso lugar no ranking dos países europeus” advertiu, em entrevista à Agência Lusa.

O presidente do Fórum para a Competitividade lamenta que o Governo se posicione tão à esquerda e diz mesmo que está mais à esquerda “do que o Partido Socialista (PS) alguma vez foi”. “O PS de hoje não tem nada a ver com o dos tempos do Dr. Mário Soares ou do engenheiro António Guterres”, sublinha.

O empresário diz mesmo que nos contactos que existem com o Governo, sempre que há soluções que possam ser vistas como um apoio às empresas surge “imediatamente uma resistência e um travão”.

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Pedro Ferraz da Costa diz que o Governo segue uma política “anti empresa” e exemplifica-o com o facto de se pretender tornar novamente mais rígido o mercado de trabalho ou por se manter uma política fiscal demasiado penalizadora sobre a classe média que torna os empregos “muito pouco estimulantes”.

“É muito mais barato para uma empresa pagar bem em Espanha do que em Portugal, porque a fatia que aqui vai para a Segurança Social e para o IRS é brutal”, explica.

Também ao nível do IRC, as críticas vão para o peso excessivo dos impostos: “Temos um IRC progressivo, em que as empresas de maior dimensão pagam mais impostos, quando devíamos ambicionar ter empresas maiores às que temos hoje”.

Ferraz da Costa sublinha que Portugal é dos países da União Europeia em que as empresas mais pequenas apresentam uma produtividade muito baixa, de apenas 40% da média europeia, mas que nas empresas maiores essa produtividade representa 80% da média. Um fator que, segundo o empresário, justifica que os salários médios sejam mais altos nas empresas de maior dimensão.

Os salários médios nas empresas maiores em Portugal são quase quatro vezes o que são nas mais pequenas. Se tivéssemos mais empresas médias e grandes tínhamos um salário médio de mais 150 euros por mês. É uma diferença muito significativa”, assegura.

O líder do Fórum para a Competitividade aponta estes fatores para que não haja mais empresas de maior dimensão em Portugal e afasta a ideia de que são os empresários que não querem abrir mão de parte do capital das empresas e, dessa forma, tentar crescer.

“É quase impossível acumular capital. Bastava termos mecanismos mais generosos de dedução dos lucros que fossem reinvestidos, como existe, por exemplo em Espanha e já era completamente diferente. Há muito poucas condições para investir e é por isso que as pessoas investem fundamentalmente com base em financiamento bancário, porque também não há mercado de capitais”.

“Se continuarmos com esse tipo política vai ser muito difícil. Não me parece que as coisas vão melhorar”, conclui.

Plano Costa Silva deixa o país “numa encruzilhada”

A Visão Estratégica para o Plano de Recuperação 2020/2030, elaborado pelo gestor Costa Silva a pedido do Governo, não coloca Portugal num caminho que permita aproveitar as oportunidades geradas pela atual crise económica, deixando-o antes “numa encruzilhada”.

Pedro Ferraz da Costa sublinha ainda que na atual situação económica, provocada pela Covid-19, o que o país precisa é de “coragem para selecionar prioridades”, mas o chamado Plano Costa Silva “faz o contrário”.

“É uma listagem ao metro de todos os projetos que deviam estar metidos nas gavetas e que saíram cá para fora”, alerta o empresário, adiantando que não encontra no documento um esforço para fazer opções.

Pedro Ferraz da Costa lembra que Portugal não sairá desta crise “com uma estrutura económica igual à que tinha” e que uma boa saída da crise vai depender de conseguir entrar em “atividades novas”.

O gestor acredita que haverá “imensas oportunidades” e lembra que “todos os países europeus se vão renovar”, exemplificando que há muitas coisas que se vão deixar de fazer e que Portugal também podia “deixar de fazer”, que há muitas coisas que eram feitas na China ou na Índia e cuja produção regressará à Europa, concluindo que haverá muitas coisas que se pode fazer “em Portugal para exportação para o mercado interno europeu e para fora”.

“Mas não há projetos nessa área”, lamenta o responsável pelo Fórum para a Competitividade, lançando novas críticas ao plano Costa Silva.

Tem muito pouca articulação com o que possa estar a acontecer na União Europeia quando devia ser parte do projeto europeu de relançamento. E não faz sentido nenhum ter aqui um plano que não aponte para isso e que não aponte, muito especialmente, para a Espanha. O plano não aponta para nada isso”, sublinha Ferraz da Costa.

Ferraz da Costa lembra ainda que a atração de investimento direto estrangeiro é “fundamental” para Portugal, mas também nesse ponto as opções de Costa Silva falham, defende.

“Uma economia endividada não vai poder aproveitar algumas das oportunidades por falta de recursos financeiros, mas um investidor estrangeiro traz capital. Para nós isso é fundamental se quisermos que as empresas aumentem de escala”, até porque, prossegue o gestor, “essa é a maneira sustentada de ter salários mais elevados”.

“E esse esforço de investimento no setor privado não é praticamente apontado”, lamenta Ferraz da Costa, salientando que o plano Costa Silva “está virado para o setor público”, porque “só no setor público o Governo tem a certeza de que o dinheiro se gasta”.

Ferraz da Costa diz ainda que não vê que seja um problema o facto de um plano como este ter sido elaborado por apenas uma pessoa e lembra que o próprio Fórum para a Competitividade já o tinha defendido numa carta enviada ao primeiro-ministro.

“Acho é que não devia ter sido aquela pessoa”, lamenta Ferraz da Costa, lembrando que Costa Silva “fala de imensas coisas, quase em termos jornalísticos, mas não com o profissionalismo e o sentido de orientação que era necessária neste momento”.

A Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030 servirá de base ao Plano de Recuperação e Resiliência que o Governo irá apresentar à Comissão Europeia e que deverá ser aprovado no Conselho de Ministros de 14 de outubro.

“Em muitos casos as pessoas vão ter de se fazer à vida”

Portugal não tem condições para acudir a todos os problemas decorrentes da crise económica provocada pela Covid-19 e as pessoas “vão ter de se fazer à vida”, adverte o empresário.

“O Estado não tem condições financeiras neste momento para acudir a todos os problemas” que vão existir, alerta o líder do Fórum para a Competitividade, adiantando que, “por mais desagradável que isso possa ser”, vai ser preciso estimular a reação das pessoas e das empresas.

As pessoas, em muitos casos, vão ter de se fazer à vida de qualquer maneira, porque não vai ser possível manter os apoios”, alerta.

Pedro Ferraz da Costa diz mesmo que ficou “surpreendido com a generosidade do esquema” anunciado pelo Governo que, em casos limite, quando as empresas registam maiores quebras de faturação, os empregados podem não trabalhar e receber mais de 80% do seu salário, através dos apoios financeiros da Segurança Social.

O líder do Fórum para a Competitividade duvida ainda, por outro lado, da eficácia destes apoios enquanto medidas de estímulo à procura interna.

Apesar de admitir que é difícil ao Governo resistir à pressão das empresas e dos cidadãos e lembrar que o executivo tem razões eleitorais para tentar adiar, tanto quanto possível, os efeitos nefastos da recessão, Ferraz da Costa lembra também que as famílias estão a poupar e não a consumir apesar de rendimento não ter sofrido uma quebra significativa.

“Até agora praticamente não tivemos quebra de rendimento. O rendimento disponível baixou 0,6%, praticamente nada” porque os salários foram substituídos por apoios públicos, sublinha o empresário, explicando que, no entanto, o consumo está a cair.

“As pessoas não estão a comprar por terem menos rendimento, mas porque estão com medo do futuro”. Portanto, “duvido que neste momento, distribuir mais dinheiro, tenha o efeito de estímulo da economia”, acrescentou.

O empresário diz, por outro lado, que mesmo que estes apoios estimulassem a economia, não será esse o caminho que fará Portugal sair da crise económica. “Temos é que aumentar fundamentalmente as exportações. Nunca vai ser o mercado interno que nos vai levar para sítio nenhum”, defende.

Para já, o líder do Fórum para a Competitividade não vê melhorias significativas na atividade económica e afasta um cenário de uma recuperação rápida.

“Havia a esperança de que o terceiro trimestre pudesse ser o início da recuperação”, mas “continuamos praticamente ao nível em que estávamos no segundo trimestre, que era muito baixo”, lamenta.

Segundo estimativas do Fórum para a Competitividade, no terceiro trimestre, a economia terá crescido entre 0,2% e 0,5% face ao segundo trimestre o que corresponderá a uma quebra homóloga entre 16,1% e 16,3%. Ou seja, conclui o Fórum, “a recuperação do 3.º trimestre terá estado muito longe de compensar as quedas dos dois primeiros trimestres”.

O turismo correu pior do que as expectativas, aliás, desde março que, sistematicamente, estamos a ter uma realidade pior que as previsões. Alguns países europeus já registam alguma recuperação, mas também é mais lenta do que aquilo que se previa e neste momento o mais prudente é pensar que o mundo, globalmente, não caiu em 2020 tanto como se chegou a recear, mas que a recuperação em 2021 vai ser mais lenta”, diz Ferraz da Costa.

O empresário lembra, no entanto, que em Portugal existe uma dificuldade adicional, que é o facto de, em Espanha, a pandemia estar a evoluir de forma muito negativa o que irá fazer com que tenha uma recuperação ainda mais lenta.

O ciclo económico português normalmente reage uns meses depois da Espanha, explica Ferraz da Costa, recordando que Espanha teve uma queda mais acentuada que Portugal e que, agora, com o agravamento do confinamento “vão demorar muito tempo a recuperar e isso” é mau para Portugal, conclui.

Ferraz da Costa quer estrutura independente para controlar milhões de Bruxelas

O empresário defende a criação de uma estrutura com representantes dos partidos com assento parlamentar para controlar a aplicação do dinheiro que Portugal receberá no âmbito Plano de Recuperação e Resiliência da União Europeia.

Tenho estado à espera de que o governo anuncie a criação de uma estrutura qualquer de governance para a administração desse dinheiro”, diz o líder do Fórum para a Competitividade.

A criação desta estrutura é “fundamental”, sublinha o mesmo responsável, defendendo ainda que “os partidos com assento na Assembleia da República deviam estar representados” nessa mesma estrutura.

Para Ferraz da Costa a informação que viesse a ser prestada a esta estrutura de governance devia ser “pública e devia estar à disposição da comunicação social” para que pudesse haver o “escrutínio das opções, de como é que foi feito e de quanto custou”.

No âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência da União Europeia Portugal irá receber, como subvenções diretas, 15,3 mil milhões de euros, tendo o Governo já dito que enquanto a situação financeira do país não o permitir, apenas irá aproveitar estas verbas e que irá prescindir das verbas existentes no Fundo, mas apenas acessíveis através de empréstimos aos estados-membros.

A importância deste controlo é ainda mais fundamental, segundo o presidente do Fórum para a Competitividade, por Portugal aparecer mal classificado em termos de corrupção nos relatórios europeus.

“Não é com certeza por acaso que nós no último relatório da União Europeia sobre a corrupção aparecemos muito mal”, salienta.

Na entrevista à Lusa o presidente do Fórum para a Competitividade abordou ainda outros temas:

OE2021. “Não me passa pela cabeça que Rui Rio vá aprovar o Orçamento”

Pedro Ferraz da Costa diz que as ameaças de crise política em torno da proposta de Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) não são mais do que uma “negociação mais dura”

Para o líder do Fórum para a Competitividade até seria positivo que a proposta que o Governo vai apresentar fosse chumbada de forma a que tivesse de apresentar outra, mas dessa vez, negociada com o PSD.

“Aliás, não me passa pela cabeça que o Dr. Rui Rio vá aprovar o orçamento tal como ele anda a ser negociado com o Partido Comunista e com o Bloco de Esquerda”, conclui.

“Temos uma Direção-Geral da Saúde delirante”

Pedro Ferraz da Costa é muito crítico em relação à Direção-geral da Saúde (DGS) quando avalia as recomendações que esta faz para aplicar nas empresas.

Neste momento temos uma DGS delirante. A fazer relatórios de 40 páginas para os restaurantes e para as escolas. São coisas também inconcebíveis”, afirmou.

Para o líder do Fórum para a Competitividade “nos restaurantes” e em muitas outras atividades, os empresários têm medo de ver as suas atividades fechadas pelas autoridades.

“Devíamos ter feito um balanço da primeira vaga [da pandemia], defende o empresário, adiantando que esse teria sido o período ideal para decidir o que fazer na segunda vaga e assim “evitar fazer na segunda os mesmos disparates que fizemos da primeira”.

O líder do Fórum diz que o primeiro-ministro é, talvez “o único membro do Governo, que diz que não quer fazer um confinamento”, mas Ferraz da Costa está convicto que “as autoridades de saúde gostavam imenso de voltar a tomar conta de todos outra vez nesse confinamento estrito”.

“Acho que estamos a transmitir para o exterior uma imagem que é muito pior do que a realidade”, conclui.

Salário mínimo. “Empresas vão ter dificuldade em manter a tripulação toda”

O líder do Fórum para a Competitividade está contra a subida do Salário Mínimo Nacional (SMS) e defende que era preciso ter uma economia competitiva que permitisse subir os salários todos.

Mas neste momento, assegura Pedro Ferraz da Costa, a subida do salário mínimo é “muito perigosa”, porque “as empresas vão ter muita dificuldade em manter a tripulação toda”.

Segundo o empresário, vai registar-se “uma quebra entre os 10 e os 20% de atividade”, haverá “muitos sítios onde se vai trabalhar muito menos” e “as pessoas menos qualificadas vão ser os primeiros a sair”. Neste sentido, prossegue, “quanto mais caras forem, mais depressa saem. Quanto mais elevado for o salário de admissão em outro emprego mais dificuldades vão ter a entrar. E há determinados trabalhos que depois deixam de ser possíveis fazer à medida que os custos forem subindo porque nós temos pessoas muito pouco qualificadas”, assegura.

Ferraz da Costa sublinha que este é um momento especial e que a subida do salário mínimo nos últimos anos não pode ser comparada com a atualidade.

Havia falta de gente para trabalhar. Nessa altura a subida do salário mínimo acompanhou a subida que estava a acontecer no mercado e a subida que estava a acontecer no mercado aconteceu também nos escalões mais elevados. Mas o que aconteceu é que nos salários mais elevados uma grande parte do dinheiro que as empresas pagaram a mais foi para a Segurança Social e para os impostos e só uma parte pequena é que foi para as pessoas”, sublinha o empresário.

Em Portugal “temos dificuldades de retenção de pessoas mais qualificadas por causa dos salários que pagamos”, e numa perspetiva económica “temos problemas mais graves na classe média do que nos níveis mais baixos”, defendeu.