No dia 17 de outubro, um sábado, quem passar às 15h pelas imediações do clube de concertos e DJ sets Lux Frágil, em Lisboa, do Maus Hábitos, no Porto, do espaço Carmo 81, em Viseu, e da Sociedade Harmonia Eborense, em Évora, vai encontrar o que não vê há meses, desde que a Covid-19 chegou a Portugal: filas. Problema: as salas continuam parcial ou totalmente encerradas.

As filas resultam de uma ação concertada de protesto anunciada esta quinta-feira pela associação Circuito. A associação (recentemente criada) junta 27 salas e clubes independentes de concertos e DJ sets que não fazem parte da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP), ou seja, que estão fora da esfera das salas de espectáculos municipais. Queixam-se de falta de apoios estatais para combater a paralisação do setor dos espectáculos ao vivo e dizem estar em risco de fechar, caso continuem sem ajuda significativa para combater a perda de receitas.

O protesto vai decorrer em quatro cidades e à entrada de quatro salas e clubes de música, escolhidos como representativos — até pelas diferentes localizações geográficas — dos espaços culturais afetados pela pandemia. A ação integra uma campanha intitulada #aovivooumorto, que pretende “sensibilizar para a importância destes locais para a cena musical nacional” e que tem o apoio de artistas como Gisela João, Tomás Wallenstein, DJ Marfox, Yen Sung e Hélio Morais. Pode ver de seguida o vídeo promocional da campanha, com DJs e músicos como protagonistas:

A ação de protesto pretende juntar “a comunidade artística e o público” em filas à entrada destes quatro clubes e salas de música, vincar “a importância destes espaços no tecido cultural” português e pedir “medidos de apoio para garantir a sobrevivência” dos locais que continuam, por motivos de saúde pública, de portas encerradas, sem poder operar como operavam e sem dimensão para acomodar as medidas de restrição de forma sustentável. A informação é adiantada em comunicado enviado à imprensa.

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A associação que promove o protesto, a Circuito, assume ainda o objetivo de alertar para a importância das suas 27 salas e clubes no “surgimento, visibilidade, afirmação e circulação de artistas e públicos no contexto da música popular portuguesa”.

De bandas a produtores, passando também por DJs, estes espaços atuam como importantes plataformas para o desenvolvimento e afirmação de carreiras artísticas, apostando em nomes merecedores de audiências e propostas alternativas”, refere o comunicado.

Estes palcos estão em risco de “perda irreparável”, pelo que a comunidade artística apela à “implementação urgente de medidas de apoio e estratégias públicas de proteção e valorização do setor“, algo importante não apenas para a fruição cultural presente ou futura das pessoas mas também pela produção e afirmação das expressões culturais e musicais do país, que formam uma indústria crescente até em termos económicos e turísticos.

Pede-se assim “um programa imediato de investimento nestas salas”, reconhecendo-lhes a importância. O programa deve ser “válido até ser autorizada a retoma sustentável da atividade e que garanta a compensação do prejuízo mensal provocado pelos custos fixos de exploração das salas, os quais não foram suspensos ou comparticipados por outros programas”, pede o comunicado.

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Mais de 7 mil atuações para mais de 1 milhão de pessoas em 2019

No último ano, 2019, as 27 salas que integram esta associação — e que se mantêm impedidas de operar nos moldes antigos, o que origina uma perda de receita irreparável — acolheram “um total de 7.537 atuações musicais”, entre concertos e DJ sets. Estas atuações foram vistas por mais de um milhão de pessoas, mais concretamente 1.178.847, envolvendo ainda “dezenas de milhares de autores, intérpretes e outros profissionais do espectáculo”.

Os números de 2019 provam, para os organizadores desta fila-manifestação, “que a cultura musical portuguesa como a conhecemos não poderá existir sem esses espaços, pelo que é vital acautelar a continuidade da sua existência”. Também por isto, os associados propõem “a disponibilização de programas de apoio” específicos “à criação, programação e circulação artística”.

“É real o risco que este circuito possa desabar”

Gonçalo Riscado, um dos porta-vozes deste movimento e da nova associação de salas de programação cultural independente — que fogem à esfera dos cineteatros públicos —, lembrou em declarações à Rádio Observador que é nestes espaços “que os artistas iniciam as suas carreiras” e é a estas salas que “regressam para concertos de proximidade”. Aliás, “todos os profissionais do setor [dos espectáculos ao vivo] profissionalizaram-se e iniciaram as suas carreiras nestas salas”.

São espaços que funcionam normalmente para concertos em pé e são espaços pequenos. Mesmo com lugares sentados teriam lotações reduzidíssimas. Passados tantos meses [sem poder abrir e operar normalmente], é real o risco que este circuito possa desabar”, refere.

Embora algumas das salas tenham uma orientação marcadamente noturna, como é o caso do Lux Frágil, em Lisboa, todas as salas da associação Circuito têm algo em comum, explica Gonçalo Riscado: “Apresentam-se ao público com programação cultural”, quer esta passe por concertos ao vivo quer passe por atuações de DJs.

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Gonçalo Riscado, fundador e um dos diretores da Cultural Trend Lisboa – CTL (que gere, por exemplo, o clube de concertos e DJ sets Musicbox), nota ainda que os programadores culturais não têm “capacidade técnica para decidir” sobre se a retoma sem as atuais restrições — lugares sentados e lotação mais reduzida — é possível. Essa tarefa, aponta, cabe às autoridades de saúde. Mas “a partir momento em que não podem abrir, é preciso ajudá-las, fazer alguma coisa por elas“.