Quem passasse no Largo das Galinheiras, em Lisboa, por volta das 16h30 deste sábado, encontraria quase mais polícias do que pessoas. As mesas de ferro em redor do coreto estavam, na maioria, vazias. Uma ou outra ainda agregava alguns idosos, atraídos pelo sol quente. Nem o aparato policial os fez arredar pé. Só o barulho das crianças a brincar ou dos autocarros que largavam e apanham pessoas nas paragens à volta do Largo interrompiam o silêncio.
Mas nem uma hora antes o ambiente era muito diferente. Uma ou outra garrafa de cerveja deixada para trás era um indício do que se tinha passado — isso e, claro, as carrinhas da PSP estacionadas em redor do Largo e os mais de 20 polícias totalmente equipados da cabeça aos pés com coletes à prova de balas e capacetes. Quando a polícia chegou, por volta das 15h40, encontrou o Largo das Galinheiras, na freguesia de Santa Clara, em Lisboa, e as ruas envolventes cheias de gente: aglomerados em volta das mesas de ferro, nos passeios junto aos cafés, ou em carros.
Não é, no entanto, um cenário estranho à polícia. A pergunta sobre quantas vezes a PSP da Esquadra da Musgueira já ali fez uma operação deste género é de difícil resposta. Ao Observador, que acompanhou a polícia na operação deste sábado, o comandante, o subcomissário Paulo Martins, explica que os elementos da PSP passam ali “em patrulhamento diariamente” e uma ação musculada como esta — que envolveu até oficiais de outras esquadras — já foi feita “várias vezes”. “É um local onde sabemos que temos de passar”, responde, adiantando é uma zona em que os habitantes não costumam respeitar as restrições no âmbito da pandemia de Covid-19. A freguesia de Santa Clara foi a única do concelho de Lisboa que fez parte da lista de 19 que ficaram em estado de calamidade, em junho — quando as restantes da Área Metropolitana de Lisboa estavam em estado de contingência e o resto do país em alerta.
O plano inicial, porém, era outro. Quando a PSP decidiu avançar com esta ação, o objetivo era fiscalizar um café naquele Largo — que é na verdade uma espécie de danceteria clandestina onde os moradores daquela zona se juntam para dançar e beber álcool, não só lá dentro, mas também no exterior, em aglomerados — proibido devido ao contexto de pandemia da Covid-19. Mas antes de os mais de 20 agentes avançarem para o terreno, foram enviados outros, à civil, que perceberam que o local estava fechado. Ainda assim, havia uma grande concentração de pessoas no Largo e junto ao parque infantil. “Vamos juntá-las todas e fiscalizá-las”, decidiu o comandante.
Por volta das 15h30, três carrinhas da PSP saíram da Esquadra da Musgueira e chegaram ao Largo das Galinheiras, vindas de três estradas diferentes.
Quando se aperceberam que não era uma carrinha que estava só a patrulhar e estava de facto uma operação a ser desencadeada, houve duas pessoas que fugiram. Se calhar tinham alguma coisa. É uma questão de tempo até serem apanhados”, disse ao Observador o comandante Paulo Martins.
O Largo foi passado a pente fino: a maioria das pessoas que ali se encontrava foram fiscalizadas, os “cidadãos do costume”, prefere apelidar um dos polícias. “Verificamos se têm alguma coisa ilícita, se estão a consumir bebidas alcoólicas, se estão na posse de alguma coisa. Há indivíduos que têm mandados de detenção para cumprir”, explica o comandante Paulo Martins. Junto ao parque infantil ou ao coreto do Largo, várias pessoas — todos homens — foram encostados para serem revistados e fiscalizados.
Acabaram todos por terem ordem de “ir à sua vida”. É no entanto “frustrante”. “Não conseguimos obter o nosso objetivo que é que as pessoas se comportem devidamente. Há um trabalho de educação e de sensibilização [para a Covid-19] que tentamos ter e não funciona: o que existe é cada vez mais hostilidade”, conta o comandante, revelando ao Observador que, muitas vezes, são recebidos com pedras e garrafas partidas.
Ainda assim, para a polícia, “nunca é tempo perdido”: nem que seja para mostrar que as autoridades estão atentas e presentes e que não ignoram estes incumprimentos de regras. No meio da operação, houve até quem tivesse ficado a saber que a proibição de atirar beatas para o chão já estava em vigor — depois de ter atirado uma à frente da polícia.
— Mas dá multa? Já saiu a regra?
— Já, já saiu. Não se pode mandar beatas para o chão, muito menos num parque infantil onde brincar crianças — explicou o polícia
— Quantos é que não mandam beatas aí?
— Que eu veja, neste momento, foi só a senhora…
“Não vale a pena!”, acaba por desabafar o polícia envolvido em conversa com outro colega. “Temos de ser resilientes e voltar. É o nosso trabalho. Não há grande margem para ficarmos cansados”, comenta com o Observador o comandante.