A versão preliminar da proposta do Orçamento do Estado para 2021 inclui uma autorização para a criação do estatuto dos profissionais da Cultura, cuja proposta a ministra da Cultura se comprometeu a apresentar ao setor até final deste ano.

“Fica o Governo autorizado a criar o Estatuto dos profissionais da área da cultura, que regula o regime dos contratos de trabalho, contratos legalmente equiparados a contratos de trabalho e contratos de prestação de serviços e que estabelece o regime de segurança social aplicável aos profissionais das artes do espetáculo, do audiovisual, das artes visuais e da criação literária”, estabelece o documento a que a Lusa teve acesso.

A elaboração de um estatuto para o trabalhador da Cultura, que tenha em conta a sua especificidade laboral e lhe permita aceder a medidas de proteção social, é há muito reivindicada pelos profissionais das áreas artísticas.

Em maio passado – já em plena paralisação do setor, devido à pandemia da covid-19 -, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, comprometeu-se publicamente a ter o estatuto laboral dos trabalhadores – comummente descrito como ‘estatuto do intermitente’ – até ao final do ano. Entretanto, reiterou esse compromisso por diversas vezes.

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A autorização para a criação do estatuto, incluída na versão preliminar do Orçamento do Estado 2021 (OE2021), consiste, entre outros, em “rever e atualizar o regime do registo dos profissionais da área da cultura, contendo regras quanto à sua realização, finalidades e benefícios”; “definir as modalidades de contrato de trabalho, incluindo o contrato por tempo indeterminado, o contrato a termo resolutivo, o contrato de trabalho de muito curta duração, o contrato de trabalho intermitente e o contrato de trabalho com pluralidade de trabalhadores ou empregadores, bem como o regime que lhes é aplicável”; “criar uma presunção de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem características que apontem para a existência de subordinação jurídica”; e “definir regras de forma quanto à celebração de contratos de trabalho”.

Além disso, prevê também “definir o regime contributivo e de segurança social aplicável aos profissionais da área da cultura, tendo em vista a sua proteção na eventualidade de doença, parentalidade, doenças profissionais, invalidez, velhice e morte, garantidas pelo regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes, e a sua proteção na eventualidade de desemprego, garantida pelo regime jurídico da proteção social na eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem”.

A autorização “tem a duração do ano económico a que respeita a presente lei”. Quer isto dizer que o estatuto tem de estar criado até ao final de 2021.

No projeto de proposta de lei das Grandes Opções do Plano (GOP) para 2021, aprovado em setembro em Conselho de Ministros, já se lia que o estatuto dos profissionais da área da Cultura “será revisto e implementado” em 2021.

Segundo o Governo, “a conclusão do novo estatuto dos profissionais da Cultura é uma peça decisiva para o futuro do setor cultural e criativo em Portugal” e cujas fragilidades foram este ano agudizadas por causa da pandemia da covid-19, com a paralisação de grande parte da atividade cultural durante vários meses.

As reuniões do grupo de trabalho para criação do estatuto, que envolvem representantes dos ministérios da Cultura, do Trabalho e da Segurança Social e das Finanças, começaram no início de junho, tendo também contado com a participação de organismos públicos, associações e sindicatos.

Na semana passada, o Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE) classificou o projeto do estatuto para as artes como uma “cápsula de precariedade disfarçada”.

Em comunicado divulgado uma semana depois da mais recente reunião do grupo de trabalho para o desenvolvimento do estatuto, o CENA-STE constatava, “mais uma vez, perante o esboço de intenções mal preparadas e pouco claras que o Governo tem imensas dificuldades em compreender o setor”.

No início deste mês, seis entidades ligadas ao cinema, espetáculo e audiovisual, entre as quais o CENA-STE, acusaram a tutela de “insistir” em manter a precariedade e de “não querer acabar com o trabalho sem direitos”, pelo que reivindicam “legislação específica para os trabalhadores da cultura”.

“Existe da parte do Governo vontade para a criação de legislação específica para os trabalhadores da cultura garantindo o acesso a uma carreira contributiva com direitos e proteção social efetiva?” — é a pergunta que encabeçava o comunicado conjunto da Associação Portuguesa de Realizadores (APR), Associação de Profissionais das Artes Cénicas (PLATEIA), CENA-STE, Associação Portuguesa de Técnicos de Audiovisual — cinema e publicidade (APTA), Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea (REDE) e Associação Portuguesa de Empresários e Artistas de Circo (APEAC).

Na nota, era descrito que o documento apresentado pela tutela inclui “algumas linhas copiadas diretamente do Código de Trabalho e da Constituição” e sugere a criação de um cartão profissional dedicado a esta área, mas faz alusão a um “regime de quotas” que “atropela” e “nivela por baixo” os trabalhadores do setor.

“O Governo propõe ainda a criação de um regime de quotas de contratação, que parece atropelar a legislação laboral e nivelar por mínimos o respeito pelos direitos do trabalho”, criticam as cinco associações e o sindicato, que esta segunda-feira reiterou as críticas a estas propostas, bem como à revisão do modelo de apoio às artes.

O CENA-STE considera ainda que “para que uma revisão do Modelo de Apoio às Artes resulte é fundamental que [o] Orçamento [do] Estado cresça de forma substancial, de forma a assegurar que, finalmente, não fiquem estruturas elegíveis de fora e se cumpra o pleno emprego com direitos e proteção efetiva dos trabalhadores do setor”.