A ‘manutenção artificial’ de receitas elevadas na banca, em cartões ou outros meios de pagamento, não é positiva nem para os bancos, prejudicando a sua resiliência a médio prazo, advertiu esta quarta-feira no parlamento a presidente da Autoridade da Concorrência.

Margarida Matos Rosa, ouvida pela Comissão de Orçamento e Finanças (COF) da Assembleia da República, na audição regimental anual da Autoridade da Concorrência (AdC) dedicada ao setor financeiro, falou sobre “barreiras significativas” detetadas num inquérito em curso a novos prestadores de serviços financeiros, com enfoque na área de serviços de pagamentos, de empresas a operar ou a tentar operar em Portugal, e que já recebeu 80 respostas.

Exemplo dessas barreiras é a dificuldade no acesso desses operadores ao sistema de compensação e liquidação (SICOI), gerido pelo Banco de Portugal e delegado na SIBS, a gestora da rede Multibanco e prestadora de serviços de pagamento, no âmbito do processamento de transações com cartões bancários, um sistema que a presidente da AdC disse ser “quase monopolista” e que justificou a investigação do regulador à fusão entre a SIBS e a Redunicre.

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Outra barreira, identificada no inquérito, foi a “excessiva dependência” do esquema multibanco no pagamento de faturas de impostos, e de consumos de eletricidade ou gás, concluindo a AdC que “não é ainda ágil nem fácil” um português residente no estrangeiro fazer pagamentos na sua conta noutro país.

“Estas barreiras são contrárias ao espírito do mercado único europeu que devia proporcionar uma integração total dos serviços de pagamentos na União Europeia”, considerou Margarida Matos Rosa, lembrando que o futuro é o digital nos serviços financeiros e que “não é justo” atrasar esse futuro para os residentes em Portugal nem “aceitável” atrasar os benefícios do digital durante o maior tempo possível, explicando que esta sua afirmação se devia ao facto de existirem “incentivos, nomeadamente de natureza prudencial”, para que as receitas dos operadores se mantenham estáveis.

“Proteger os operadores financeiros, não os expondo à concorrência, não os vai ajudar a médio e longo prazo porque é nossa convicção que a disciplina imposta pelos serviços concorrentes, mais ágeis ou mais baratos, vai causar inovação, maior adaptação, maior resiliência por parte dos incumbentes”, disse a presidente do regulador, defendendo que é dessa resiliência que resultam benefícios para a estabilidade financeira.

“Não é positivo, quer para clientes bancários, quer para os próprios bancos, a médio e longo prazo, manter artificialmente as receitas elevadas, em cartões ou outros meios de pagamento. E manter estas receitas o mais elevadas possível, pelo maior número de anos que se consiga, até não ser possível evitar a entrada de opções mais competitivas. Portanto, quanto mais cedo deixar de haver esta proteção, legislativa ou outra, melhor“, concluiu.

Num documento distribuído aos deputados, a AdC dá conta de ter aplicado ao setor financeiro, desde 2003, 278 milhões de euros em coimas por práticas anticoncorrenciais, a maioria desde 2018.

Em 2019, a AdC condenou 14 bancos por prática concertada com objeto anticoncorrencial, numa coima no valor total de 225 milhões de euros.