Dois universos paralelos para a próxima década: um deles marcado por uma pandemia como a do novo coronavírus, o outro em que a pandemia nunca existiu. Nas contas do Governo, que esta quinta-feira enviou a Bruxelas o plano de recuperação e resiliência, estes dois universos paralelos só se vão cruzar em 2030 – só nesse momento a economia portuguesa terá “recuperado inteiramente do choque provocado pela pandemia, atingindo um PIB idêntico ao que alcançaria num cenário de inexistência desse choque”. Porém, sem esta “bazuca” europeia [que ascende a 58 mil milhões de euros até 2029], nem em 2030 os dois universos paralelos se cruzariam, porque mesmo 10 anos após o surgimento do vírus o PIB ainda seria 4% menor.
No plano enviado esta quinta-feira a Bruxelas, há um gráfico de linhas que, melhor do que mil palavras, ilustra a importância que o Governo de António Costa garante que estas subvenções (e, possivelmente, empréstimos) europeias irão ter para a economia portuguesa.
A linha laranja representa a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) que o Governo diz que se poderia esperar caso a pandemia de Covid-19 nunca tivesse acontecido. O PIB partia, nesse cenário, de pouco mais de 200 mil milhões de euros em 2020 para mais de 240 mil milhões em 2030, em números redondos.
No universo paralelo em que estamos, em que a pandemia de facto assolou o mundo, a quebra do produto económico é representada pela linha cinzenta, que no início do gráfico se sobrepõe à linha azul. Tanto uma como outra refletem a pandemia, mas ao passo que a linha cinzenta considera o impulso da “bazuca”, a linha azul simula aquilo que aconteceria à economia caso estas medidas não fossem tomadas e caso o reforço dos fundos comunitários não existisse – aí, o PIB, mesmo em 2030, ficaria abaixo de 240 mil milhões de euros.
Como é que se chegou a esta projeção? “As previsões macroeconómicas acima apresentadas, sem o impacto do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), têm em linha de conta as estimativas do Orçamento do Estado para o período 2020-2022, e assumem que Portugal regressa, no longo prazo (2020-2030), ao seu crescimento potencial (1,8%)”, diz o Governo, explicando que no cenário ilustrado pela linha azul “há uma perda estrutural causada pela crise pandémica, com o PIB português a ficar, em 2030, ainda 4% abaixo do PIB num cenário sem crise pandémica e a taxa desemprego a situar-se em 7,2% em 2026, acima da taxa apresentada em 2019″.
E como é que se calculou o impacto das medidas do plano?
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“O impacto do PRR foi calculado de acordo com os valores conhecidos para a execução anual do PRR português para o período 2021-2026 e utilizando um multiplicador orçamental de acordo com a literatura mais recente. Existe uma vasta bibliografia sobre multiplicadores, particularmente desde a crise financeira de 2008/9 (e.g. FMI, BCE, Comissão Europeia)”, diz o documento, que acrescenta que “a maioria indica que os multiplicadores devem andar entre 0,8 e 2,3, dependendo do ciclo económico, do tipo de despesa e do projeto de investimento em particular”.
“Neste caso, apresentamos um multiplicador orçamental de 0,9 em 2021, subindo para 1,1 em 2022 e 1,5 no período 2023-2026. Uma evolução em linha com a pouca literatura existente em relação ao PRR”, explica o Governo.
O plano acrescenta, também, dois cenários comparativos da importância do plano, num horizonte temporal um pouco mais próximo: até 2026. Seria, assim, que os indicadores do PIB, da inflação, do desemprego e do défice iriam evoluir sem o plano de recuperação europeu, segundo o Governo.
Em contraste, eis como se prevê que evoluam os mesmos indicadores num cenário em que o plano existe e é executado.
Na nota introdutória do programa, o Governo diz que “Portugal pretende, assim, garantir que o quadro global de intervenções permitirá acelerar de forma decisiva a transformação da economia portuguesa, com vista a promover o salto qualitativo que ambicionamos, e colocando-nos, definitivamente, numa rota de convergência real com os nossos parceiros da União Europeia“.