O realizador português Pedro Costa lamentou que a plataforma de streaming Netflix esteja a operar no mercado audiovisual português em jeito de “operação de crime organizado”, disse na quinta-feira em entrevista à agência Efe.

Pedro Costa, que está em Espanha a propósito da estreia, esta sexta-feira, do filme “Vitalina Varela”, manifestou-se preocupado com o “assalto” que Portugal está a sofrer, “através de uma operação de crime organizado pela Netflix, desde Los Angeles”.

“De uma forma fiscal ‘gangsteriana’, com o consentimento dos partidos políticos e o beneplácito de quem vai lucrar, sem declarar impostos, a Netflix desembarcou em Portugal, tal como já o fez em Espanha”, disse na mesma entrevista.

O realizador é um dos signatários do movimento “Pelo Cinema Português”, que critica a forma como Portugal vai transpor a diretiva europeia sobre serviços de comunicação audiovisual.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Este movimento, que reúne cerca de 900 profissionais em torno de uma carta aberta, dirigida aos órgãos do poder, pediu o adiamento da votação da proposta de lei 44/XIV que transpõe aquela diretiva e uma maior discussão dos seus termos.

Em causa está a transposição da diretiva europeia que tem por objetivo regulamentar, entre os Estados-membros, a atividade dos serviços de televisão e dos serviços audiovisuais a pedido, conhecidos como VOD (‘video on demand’), como as plataformas Amazon, Disney Plus, HBO e Netflix, com base nos Estados Unidos, que ‘escapam’ à regulamentação em diferentes países europeus.

Além de Pedro Costa, entre os signatários estão Catarina Vasconcelos, João Botelho, João Salaviza, Jorge Silva Melo, Leonor Teles, Miguel Gomes, Rodrigo Areias, Beatriz Batarda, Isabel Abreu, Nuno Lopes, Rita Blanco, Luís Urbano, Maria João Mayer e Paulo Branco.

A votação da proposta de 44/XIV pelos deputados na comissão de Cultura e Comunicação decorrerá entre hoje e terça-feira.

Na entrevista à agência noticiosa espanhola, Pedro Costa apelou à diversidade do panorama cinematográfico, saindo em defesa da “pequena” cultura face ao “horror” da uniformização de conteúdos fornecidos pelas plataformas de ‘streaming’.

A propósito de “Vitalina Varela”, que chega hoje a 27 salas de Espanha, Pedro Costa recorda que nas últimas duas décadas os protagonistas dos seus filmes, de uma comunidade cabo-verdiana nos subúrbios de Lisboa, são “marginais e pobres”, “filósofos que podiam ser políticos magníficos, gente decente e inteligente, mas invisível porque não tem poder”.

“Há forças obscuras que nos estão a controlar, a dominar, a dirigir os nossos passos e é possível que seja o próprio diabo. Mas este mundo podia ser outra coisa. Hoje, com a pandemia, o que faz o teu governo espanhol, o meu português, ou Trump, faz-me pensar que estamos perante a verdadeira encarnação do mal”, disse.

Premiado em 2019 no festival de cinema de Locarno (Suíça), “Vitalina Varela” é protagonizado por uma mulher cabo-verdiana que chega a Portugal três dias depois do funeral do marido, encontrando uma casa e um passado desconhecidos.

O filme, num cruzamento entre ficção e realidade, é protagonizado por Vitalina Varela, e valeu-lhe o prémio de melhor atriz no festival de Locarno. Pedro Costa venceu o Leopardo de Ouro no mesmo festival.

Pedro Costa, autor de um cinema “sombrio, lento, de grande força poética e muito político”, como escreveu o El País no fim de semana passado, já teve “Vitalina Varela” em exibição em mais de 50 festivais e estreou-se em mais de uma dezena de países.