A Base Aérea Rivolto, local de partida da 15.ª etapa que terminava a segunda semana de Giro antes do segundo e último dia de descanso, foi o cenário ideal para uma apresentação pelos ares da Força Aérea italiana em ambiente de grande festa na antecâmara do arranque de mais uma tirada de 185 quilómetros com características para fazer mexer os primeiros lugares tendo em conta a chegada a subir a Piancavallo. João Almeida, como não poderia deixar de ser, era um dos principais focos do pelotão, não só pela liderança há 12 dias consecutivos mas também pela forma como na véspera ganhou mais algum tempo aos principais adversários. Aquilo que parecia ser apenas um grande dia prolongou-se. Aquilo que parecia ser apenas um sonho começou a tocar na realidade.

A-dos-Francos tornou-se uma freguesia pintada de rosa e tudo conta quando o objetivo passa por apoiar à distância o filho pródigo da localidade. A família mais próxima, essa, encontra-se há alguns dias em Itália para seguir mais de perto o filho – algo que nem a frustração de não poder abraçar o corredor da Deceuninck Quick-Step consegue esfriar. “Não tenho palavras para descrever os momentos que o João nos está a proporcionar. Vê-lo nas fotografias dos jornais, ouvir falar dele na rádio e ainda vê-lo na televisão é um orgulho enorme. Sempre foi um bom filho. Teve uma vida escolar normal e com muitos amigos, que ainda hoje faz questão de manter. Quando começou nas corridas a sério foi para o Cartaxo, no sonho de um dia correr onde está. E depois de dois estágios acabou mesmo por ir. Às vezes até lhe digo ‘Deves ter uma estrela que te ilumina, por teres as pessoas certas no teu caminho e na tua vida”, contou a mãe, Patrícia Almeida, ao jornal A Bola após o contrarrelógio de sábado.

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Filippo Ganna, campeão mundial da especialidade, voltou a não dar hipóteses à concorrência (e deu mais alegria a uma equipa da Ineos que perdeu Thomas cedo mas que se tem destacado na luta das etapas), Brandon McNulty deu um salto grande na classificação mas foi de novo João Almeida a sair como principal destaque, ganhando mais uns segundos ao holandês Wilco Kelderman (agora são 56) e deixando o resto dos candidatos de Pello Bilbao para trás a mais de dois minutos, o que conferia maiores e diferentes possibilidades de controlar os prováveis ataques que seria alvo este domingo. Tudo, recorde-se, no contrarrelógio inicial que fez acima dos 30 quilómetros na carreira, o que amplifica ainda o resultado conseguido entre Conegliano e Valdobbiadene. Até Alberto Contador, espanhol que ganhou dois Giros (e dois Tours e três Vueltas) se mostrou impressionado nos comentários.

João Almeida em grande: faz sexto no contrarrelógio, mantém liderança e ainda ganha mais tempo à concorrência

“Estava preparado para fazer uma boa corrida, ser sexto ou décimo é indiferente. Estava em causa ganhar tempo aos adversários e isso foi conseguido. O Ganna e o Dennis conseguiram ser melhores porque são especialistas mas estou satisfeito com o resultado. Conhecia bem o percurso, assim como as partes mais exigentes, as sensações foram boa e o tempo deixou-me satisfeito. O caminho até Milão [onde termina a Volta a Itália] é longo, ainda há muita montanha e é difícil. Sei que um dia mau pode deitar tudo a perder; o de hoje [sábado] foi melhor do que estava à espera”, comentou após o sexto lugar na 14.ª etapa, naquela que foi a quinta tirada em que fechou nos seis primeiros entre quatro pódios. Seguia-se a montanha, com quatro contagens, sobretudo a última a coincidir com a meta de 14,3 quilómetros com percentagem média de inclinação de 7,8.

Com Rúben Guerreiro a tentar ainda encostar no grupo fugitivo mas a ficar cedo longe das decisões, essa última subida acabou por ser decisiva em relação à etapa até porque alguns dos primeiros classificados iam descolando a cada ataque que havia. Pello Bilbao, Fuglsang, Nibali. Todos menos João Almeida e Kelderman, que continuavam sem partir até que a Team Sunweb fez o derradeiro ataque que deixou o português completamente sozinho, sem companheiros de equipa para defender, a tentar manter o ritmo sem perder de vista o holandês e Hindley que permitiam esse ataque. A 4,5 quilómetros o português perdia 20 segundos, quase aquilo que tinha ganho na véspera no contrarrelógio a Kelderman, mas aguentava a dar tudo, no limite do esforço, de língua de fora, com um coração enorme quase que a sentir o apoio de milhares e milhares de portugueses.

A dois quilómetros, o atraso já tinha passado para 33 segundos, ou seja, apenas mais 23 segundos do que o holandês. Aguentou mesmo, sem ninguém da Deceuninck Quick-Step por perto, perdendo grande margem da vantagem mas continuando na liderança da prova pelo 13.º dia consecutivo. E o português não só chega à terceira semana ainda de rosa como o sonho de acabar no pódio (pelo menos) é cada vez mais real: se Kelderman fechou em segundo a etapa a dois segundos de Geoghegan Hart, que deu mais uma vitória à Ineos, os 35 segundos de atraso a que se juntaram mais seis de bonificação mantiveram Almeida na liderança com 15 segundos de avanço em relação ao holandês e com quase três ou mais minutos de avanço dos mais diretos perseguidores, casos de Hindley (2.56), Hart (2.57), Pello Bilbao (3.10), Majka (3.18), Nibali (3.29) ou Pozzovivo (3.50).

“Garantidamente, estou muito feliz. Estou muito agradecido à minha equipa pelo seu trabalho. Sentia-me bem hoje mas havia ciclistas mais fortes e tenho de lhes dar os parabéns. Nos primeiros quilómetros achei que podia fazer-lhes frente mas depois tive de ir aos meus limites, foi um sofrimento até ao final. Porque abdiquei do rádio? Tirei-o porque estava muito concentrado, dei tudo para ficar com a camisola rosa”, comentou o português.