A entrevista é rara e por isso Paulo Portas faz questão de explicar o porquê de ter acedido ao convite da jornalista Maria João Avilez, no Público: “As eleições presidenciais estão à porta e achei que talvez fosse relevante — para lá da espuma dos dias e de alguma gritaria — fazer uma interpretação, como me pediu, do mandato do atual Presidente, que apoiei e em quem votarei”. É que o ex-líder do CDS diz que “conhece pessoas com dúvidas e reservas legítimas”, daí a importância de “recentrar os factos lembrando o que é — e o que não é — um chefe de Estado, e apelar a um módico de racionalidade numa discussão que frequentemente é apenas de estilo ou forma”. “Pareceu-me um contributo possível”. Para isso e para explicar a importância dos “ciclos” políticos, que tantas vezes se sobrepõem às “pessoas” políticas.

É com este enquadramento, e numa altura em que o CDS (ao contrário do PSD) ainda não expressou o seu apoio à eventual (e mais do que provável) recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa a Belém, que o ex-líder centrista procura aconselhar o centro-direita a unir-se em torno desta candidatura, que “é a única que parte da união e que está interessada em unir o país”, por oposição às restantes, “por exemplo de Ana Gomes ou de André Ventura,” que “partem da divisão para construir a sua força”.

Portas até vê “legitimidade” e “pertinência” em algumas críticas que se façam ao atual Presidente, mas lembra que essas mesmas pessoas que o criticam com legitimidade não equacionam sequer que o atual Presidente não seja reeleito — “Não é verdade?”.

Entre os “reparos legítimos” que aponta, mas que tenta contornar — porque quer é reforçar a importância global de um Presidente como Marcelo–, o ex-vice-primeiro-ministro destaca “a nomeação do novo presidente do Tribunal de Contas, que foi tudo menos linear e que deixou uma perceção desconfortável de controlo político sobre quem tem o dever de controlar a legalidade financeira”; ou até a “hiperatividade”, que às vezes faz com que se confunda “a forma e o fundo: a abundância da forma não permite frequentemente perceber com nitidez a relevância do fundo”. Ou ainda o anúncio, ao lado de Costa, da Champions como prémio para os profissionais de saúde, mas aí Portas faz um ponto de honra: “Quem se lembrou de dizer essa coisa tão insólita de que a Champions era um prémio para o pessoal de saúde foi o primeiro-ministro.”

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Paulo Portas descarta ser o candidato da direita contra Medina em 2021: “Não! Lisboa, não”.

O que importa é o fundo e, aí, Portas não tem dúvidas de que Marcelo “está do lado certo das coisas”. No campo dos elogios ao mandato que agora está a terminar, destaca o papel que o PR teve na mediação da solução governativa que saiu das legislativas de 2019 (uma geringonça instável, sem acordo escrito, ou, por outras palavras, uma governação à vista). Portas acha que Marcelo fez bem em não ter repetido a exigência de Cavaco Silva por um acordo sólido e escrito, uma vez que se o tivesse feito isso teria provavelmente conduzido a uma solução política mais “radical” com os parceiros de esquerda “sentados no Conselho de Ministros”, como acontece em Espanha. “Teria sido francamente perigoso termos tido outro chefe de Estado que não este”, conclui.

A decisão de declarar atempadamente “estado de emergência” no início da pandemia da Covid-19 também está entre os momentos decisivos de Marcelo. “Quem quis o estado de emergência foi essencialmente o Presidente da República. O Governo estava convencido de que as regras da Proteção Civil eram suficientes, mas não eram”, diz. Também os vetos estratégicos do Presidente, em assuntos delicados como a TAP ou a Lei de Bases da Saúde, foram importantes para o definir como chefe de Estado.

Os elogios são rasgados — “pessoa informada, excecionalmente inteligente”, que tem “flexibilidade tática, nas questões fundamentais que para ele são relevantes” e que, no fim do dia, pode ser visto como uma pessoa “confiável” — servem o propósito adjacente à ideia de dar a entrevista: explicar por ‘a’ + ‘b’ a importância de o centro-direita se unir em torno da recandidatura de Marcelo.

É que há a “teoria dos ciclos” e essa diz-nos que os segundos mandatos são sempre diferentes do que os primeiros. É aqui que Paulo Portas deixa o aviso: “É muito provável que no segundo mandato do Presidente venha a ocorrer o declínio do ciclo da esquerda política em Portugal. O centro-direita e a direita tenderão a subir, o centro-esquerda e a esquerda tenderão a declinar. E ele terá de estar atento”. Ou seja, é do interesse do centro-direita ter um Presidente como Marcelo no poder quando isso acontecer. Até porque Costa tem frequentemente a “tentação” de “precipitar eleições” (seja ela “meramente retórica ou não”). E nessa altura, Marcelo tem de ter a “sabedoria” e a “atenção” que se exige no momento.

“É natural que a mudança de ciclo aconteça no segundo mandato que aí vem. O que obrigará o Presidente da República a ter uma maior atenção ou, como diz, um afeto mais atento”, resume Portas na entrevista ao Público, onde rejeita por completo uma eventual candidatura autárquica a Lisboa e onde não descarta por completo uma eventual candidatura futura a Belém. “Essa parte fica para depois…”