A Ordem dos Advogados considera que a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção tem “laivos de prepotência processual” que põem em causa princípios constitucionais ao nível dos Direitos, Liberdades e Garantias, apontando as buscas digitais e a delação premiada.

Em comunicado, a Ordem diz que as propostas do Governo nesta área são apenas “formas de suprir as ineficiências e incapacidade do sistema político, investigatório e judicial” e manifesta “enorme preocupação” com as sugestões na área do cibercrime e das buscas online.

“Representam mais do que uma interceção telefónica em termos de intromissão na vida privada”, considera a Ordem dos Advogados (OA), lembrando que “a maior parte dos cidadãos, hoje em dia, descarrega toda a sua vida pessoal e profissional nos seus dispositivos eletrónicos, sejam computadores, telemóveis ou tablet” e que “a maior parte dessa vida, em regra, não tem qualquer relevância para a investigação”.

“No entanto tudo é devassado, sem que saibamos”, refere a OA, em comunicado, acrescentando: “Passará a ser perigoso viver em Portugal”.

Os advogados consideram que o volume de produção legislativa que nos últimos 15 anos tem vindo a ser produzido em Portugal sobre combate à corrupção é imenso, mas nunca se concretizou.

Na verdade, enquanto não foram implementadas com efetividade, no terreno, as diversas medidas legislativas já abundantemente existentes no nosso ordenamento jurídico, de nada adiantará continuar a produzir legislação em massa que apenas contribuirá para gerar mais confusão legislativa sem quaisquer resultados práticos na prevenção, deteção e repressão do fenómeno corruptivo e da criminalidade conexa”, diz.

A Ordem defende que se deve apostar no reforço dos meios operacionais de prevenção, “com ações de formação efetiva em toda a sociedade”, sobretudo junto das camadas mais jovens, nos meios escolares.

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Neste capítulo, diz acompanhar as propostas do documento governamental, “esperando, no entanto, que tudo seja efetivamente levado à prática, num plano que terá que revelar-se sempre ambicioso e urgente”.

Já na área da contratação pública, os advogados dizem ter “sérias reticências” quanto à transparência com vista a “reduzir os contextos facilitadores da corrupção”.

Depois de chamar a atenção para as alterações introduzidas no que se refere ao visto prévio do Tribunal de Contas para a isenção de fiscalização prévia de diversas empreitadas prevista pelo Orçamento do Estado 2020, a OA diz que aguarda desenvolvimentos “com apreensão e cautela, mas sempre com muita atenção.”.

Sobre os chamados “Canais de Denúncia”, e sublinhando que não se está perante quaisquer situações de delação premiada, a OA refere que “o denunciante, profissional de uma organização, só porque denuncia o ilícito, não poderá ser prejudicado, mas também não será beneficiário de qualquer prémio”.

Neste pressuposto — e só neste — a Ordem dos Advogados aceita estes Canais de Denúncia, que será a decorrência lógica de uma Directiva Europeia”, sublinha.

Quanto à delação premiada, os advogados lembram que “a lei portuguesa não dispõe (…) de um regime no sentido de permitir que, no início do processo ou em audiência de julgamento, o Estado e o agente do crime possam, de forma vinculada e formal, negociar a pena ou até a isenção da mesma”.

“Dispõe, sim, de um sistema de direito premial que poderá, aqui ou ali, ser melhorado”, mas “não se adotando, em caso algum, qualquer negociação prévia de penas, sua atenuação, dispensa ou isenção”, insistem.

Dizem ainda não entender a criação de uma Agência para a Prevenção da Corrupção, lembrando que “existe já, há cerca de 10 anos, junto do Tribunal de Contas, o Conselho de Prevenção da Corrupção, que tem produzido um excelente trabalho, apesar dos parcos recursos materiais e humanos de que dispõe”.

Sobre os chamados “megaprocessos”, a OA diz que concorda com o princípio que, em regra, “são causa de intoleráveis retardamentos processuais, com prejuízo para a realização da justiça e sobretudo para os ofendidos e arguidos” e defende que os “megaprocessos deverão constituir a exceção”.

Já no que se refere à documentação das declarações orais prestadas em inquérito e instrução através de registo áudio ou audiovisual, sublinha que “há largos anos que (…) vem defendendo esta prática processual.

“Gravando perde-se um único tempo, não há dúvidas quanto a que foi declarado e não há a possibilidade de enganos ou erros”, insiste.