O papa Francisco disse esta terça-feira sonhar com “uma Europa secular saudável” e “unida e generosa”, numa altura em que a pandemia de Covid-19 que atingiu o velho continente levou alguns ao isolamento.

Numa carta esta terça-feira tornada pública, o papa afirma que a pandemia é uma “linha divisória” no projeto da União Europeia, numa época em que “há sinais de retrocesso” e em que “prevalece a ideia de cada um deve seguir por conta própria”.

A pandemia é como uma encruzilhada que obriga a tomar uma opção: ou seguimos pelo caminho do último decénio, que aparece animado pela tentação da autonomia, esperando-nos mal-entendidos, contraposições e conflitos cada vez maiores; ou redescobrimos o caminho da fraternidade, que sem dúvida inspirou e animou os Pais fundadores da Europa moderna, a começar precisamente por Robert Schuman, escreve Francisco, num texto divulgado pelo Vaticano.

A mensagem assinala o 40.º aniversário da Comissão dos Episcopados da União Europeia (COMECE), o 50.º aniversário das relações diplomáticas entre o Vaticano e a União Europeia e o 50.º aniversário da presença do Vaticano como observador permanente no Conselho da Europa.

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O papa recorda que o projeto europeu surgiu “como um desejo de pôr fim às divisões do passado” e nasceu “da consciência de que juntos e unidos somos mais fortes e que a unidade é superior ao conflito”, mas alerta que há “sinais de retrocesso” e que “prevalece a ideia de ir cada um por si”. Na missiva, Francisco encoraja a Europa a reagir para “evitar que os impulsos centrífugos recuperem a força”.

“Neste momento, gostaria de dizer à Europa: Vós, que durante séculos foste uma forja de ideais e agora parece que perdeste o ímpeto, não pares para olhar para o teu passado como um álbum de recordações”, acrescenta.

E faz um apelo: “Europa, reencontra-te! Redescobre os teus ideais, que têm raízes profundas. Sê tu mesmo! Não tenhas medo da tua história milenar, que é uma janela para o futuro e não para o passado.”

Na carta, o papa lista os seus “sonhos” de como a Europa deveria ser. “Sonho com uma Europa amiga das pessoas e dos povos. Uma terra onde a dignidade de todos seja respeitada, onde a pessoa seja um valor em si mesma e não objeto de cálculo económico ou mercadoria”, escreve Francisco, que pede também que seja uma terra que defenda “a vida em todas as suas etapas” e que “valorize o trabalho como meio privilegiado de crescimento pessoal”, especialmente olhando para os mais jovens.

O papa defende também uma Europa “que seja uma família e uma comunidade. Um lugar que saiba valorizar as peculiaridades de todas as pessoas e povos, sem esquecer que estão unidos por responsabilidades comuns” e destaca que “ser família significa viver a unidade levando em conta a diversidade, a partir da diferença fundamental entre o homem e a mulher”.

Para Francisco, “uma Europa dividida, composta por realidades solitárias e independentes, facilmente se encontrará incapaz de enfrentar os desafios do futuro“, enquanto que “uma Europa comunitária, unida e fraterna, saberá aproveitar as diferenças e a contribuição de cada um para enfrentar juntos as questões que a aguardam, desde a pandemia ao desafio ecológico”.

O papa pede ainda “uma Europa solidária e generosa. Um lugar acolhedor e hospitaleiro, onde a caridade – que é a maior virtude cristã – vença todas as formas de indiferença e egoísmo”, apelando para a necessidade de cuidar também de outros continentes, como África. A este respeito, Francisco afirma que não pode “calar-se” perante as suspeitas em relação aos migrantes, “pois só uma Europa que é uma comunidade solidária pode enfrentar este desafio de forma proveitosa, enquanto as soluções parciais já mostraram a sua insuficiência”.