Os Verdes disseram que o voto na generalidade “em nada compromete” o voto final, o PAN disse que “votaria contra” se esta fosse a versão final do Orçamento e o PCP lembrou que no verão já se absteve na generalidade e depois votou contra no Orçamento suplementar. Três avisos, três ameaças: se o Governo não mudar o orçamento na especialidade, é o sentido de voto que muda. O aviso foi dado e, menos de 24 horas depois, as exigências começaram a dar entrada no Parlamento. Os três partidos e as duas deputadas não-inscritas que permitiram viabilizar o Orçamento para 2021 na especialidade fizeram entrar esta quinta-feira 198 propostas de alteração ao documento: 66 do PCP, 49 do PAN, 29 do PEV, 28 de Joacine Katar Moreira e 25 de Cristina Rodrigues. E nem só a quantidade é complexa: o PCP, por exemplo, pede medidas como mais um escalão de IRS para os mais ricos, iniciar a nacionalização do Novo Banco ou acabar com as portagens nas ex-SCUT.

Os comunistas deixam claro — e voltaram a fazê-lo esta quinta-feira em conferência de imprensa — que a viabilização foi apenas uma forma de prolongar o período de negociação com o Governo. O PCP insistiu aliás, que o que a versão do documento aprovada na quarta-feira “não responde nem ao agravamento da situação económica e social nem aos problemas estruturais com que o país está confrontado”.  Para os comunistas a abstenção “não pode ser entendida como um ponto de chegada”, mas para “abrir a porta da discussão na especialidade”.

Novo escalão de IRS e fim das portagens nas ex-SCUT

E além das 66 exigências, haverá mais. Para já, fez chegar ao governo a necessidade de ver inscrito no Orçamento do Estado a valorização dos direitos dos trabalhadores atingidos pelos impactos da pandemia, a valorização do SNS, a valorização das reformas, dos direitos dos reformados, dos trabalhadores desempregados e com algum tipo de deficiência e ainda outras prestações sociais. Mas há coisas que tem já garantidas e que ouviu da boca de António Costa no hemiciclo: a reivindicação do aumento de 10 euros para todos os reformados e pensionistas logo a 1 de janeiro vai mesmo para a frente.

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Na área fiscal, o PCP irá bater-se pela atualização dos escalões do IRS, com o aumento de mais um escalão para os rendimentos mais elevados e dos valores do mínimo de existência e da dedução específica. Para os produtos vendidos na restauração os comunistas querem reverter o aumento fixado pelo governo PSD/CDS e voltar à taxa de 13% aplicada a todos os produtos na restauração. Ainda no campo dos impostos, o PCP quer voltar à taxa de 6% para a energia (eletricidade, gás natura e de botija).

E se o Governo já deu sinais de avanço na questão das creches, o PCP continua insatisfeito e quer mais. Quer 25 mil vagas na rede pública de creches já no próximo ano e, para aqueles que estão na terceira idade, a abertura de 20 mil vagas em lares da Segurança Social.

No que diz respeito ao reforço da função pública, os comunistas querem ver no OE2021 mais 5 mil trabalhadores para a escola pública e a vinculação definitiva de todos os trabalhadores da saúde que tenham sido contratados a título temporário nos últimos meses para fazer face às necessidades causadas pela Covid-19.

E claro, a questão da reversão de privatizações de empresas que estavam nas mãos do Estado. A recuperação do controlo público dos CTT — que o PCP defende como uma das medidas que permitirá obter receita para o Estado —, uma proposta que garanta “o futuro da TAP pública” e o resgate da ANA. Na área da banca, o PCP quer ver “o início da recuperação do controlo público do Novo Banco”, pondo fim ao “saque que está a ser feito ao povo português”. Na área das Parcerias Publico-Privadas, os comunistas querem ver inscrita no OE a proibição de compensações às concessionárias que mantiveram “intocáveis os lucros no contexto da epidemia”.

Nas 66 propostas de alteração cabem ainda questões na área dos transportes, mobilidade e ambiente. O PCP quer ainda terminar com as portagens em todas as autoestradas ex-SCUT, alargar a gratuitidade dos transportes públicos até aos 18 anos e, tal como o PEV, tem preocupações com a questão do amianto nos edifícios públicos e quer “fixar em 40 milhões o valor para o programa de remoção”, com efeitos já em 2021.

A isto somam-se as exigências permanentes do PCP como a valorização do trabalho, aumento geral dos salários para todos, aumento do salário mínimo e revogação das normas gravosas das leis laborais. Além do reforço de meios do SNS e das soluções para o recrutamento de trabalhadores em carreiras específicas como médicos e enfermeiros. O caderno de encargos é extenso e o PCP avisa desde já: se não for assim, o voto contra ainda é possível.

PCP faz 66 exigências para não chumbar Orçamento na votação final global. E é só a primeira ronda

PAN com quase duas mãos cheias garantidas, aposta tudo na especialidade

Mas no meio de tantas propostas de alteração, e ainda só vamos no primeiro dia, há prioridades para os partidos? O Pessoas-Animais-Natureza já avançou com quase duas dezenas de propostas sobre as quais já há acordo conseguido com o Governo:

  • Criação de um Portal da Transparência, destinado a garantir maior transparência e controlo na gestão dos fundos europeus;
  • Duplicação do valor inscrito para os canis municipais e associações de proteção animal, assim como para uma campanha nacional de esterilização de animais de companhia (10 milhões de euros);
  • Criação de uma taxa de carbono a reverter para o Fundo Ambiental consignada à mobilidade elétrica, terrestre e principalmente à ferrovia;
  • Criação de programas de incentivo aos agricultores para a preservação de ecossistemas, habitats e gestão sustentável do habitat agrícola, incluindo a criação de “hope spots” para proteção da vida marinha;
  • Reforço dos profissionais no Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise do INEM, isto é, na intervenção em saúde mental de emergência;
  • Interdição da comercialização de produtos cosméticos e detergentes que contenham microplásticos;
  • Reforço dos meios de combate à corrupção, nomeadamente das equipas de perícia no âmbito da estratégia nacional de combate à corrupção;
  • Reforço do policiamento de proximidade nos contextos universitários;
  • E apoio às indústrias para fazerem a transição energética.

Mas não se contenta com o que já tem quase garantido. Além da quase meia centena de propostas de alteração do Orçamento do Estado que já deram entrada esta quinta-feira, o PAN ainda vai apresentar mais. Recorde-se que para o Orçamento de Estado de 2020 o PAN deu entrada com 233 propostas de alteração. Ainda assim, é expectável que na discussão deste ano (e considerando a importância dos votos do PAN depois do parceiro preferencial do Governo na anterior legislatura, o BE, ter votado contra) o PAN se foque em algumas propostas centrais nas áreas do ambiente e animal.

PEV com cerca de 50 exigências ao Governo quer um OE que vá além da garantia da saúde pública

Também o PEV deu entrada já esta quinta-feira com quase três dezenas de propostas de alteração. Serão cerca de meia centena, ao que o Observador apurou, as propostas de alteração que Os Verdes farão a este Orçamento do Estado para 2021. Além da redução do impacto social e económico da crise da Covid-19, Os Verdes querem também que o OE2021 possa “garantir a saúde pública”, não descure “a vertente ambiental” e que considere o “bem estar animal”.

No âmbito da saúde pública o PEV quer a reposição de consultas e horários nas unidades de cuidados de saúde primários, a distribuição gratuita de máscaras sociais, a dedução em sede de IRS do valor das máscaras de proteção respiratória, viseiras e gel desinfetante que quer ver “consideradas como despesas de saúde”.

Já no que diz respeito ao impacto social e económico da crise pandémica Os Verdes querem ver no Orçamento do Estado um fundo de tesouraria para micro e pequenas empresas, o reforço dos apoios à agricultura familiar, passe social gratuito para os desempregados e o apoio à deslocalização e deslocação de docentes.

Nas áreas ambiental e animal o PEV insiste na avaliação ambiental estratégica para o novo aeroporto, a elaboração de um Plano Ferroviário Nacional e mais meios humanos para a conservação da natureza e biodiversidade. A questão do amianto nos edifícios mantém-se nas preocupações dos Verdes que querem um programa para a sua remoção. Ainda que o Governo já tinha garantido ao PAN a duplicar o valor inscrito para os canis municipais e associações de proteção animal e para uma campanha nacional de esterilização de animais de companhia, Os Verdes querem também que o OE2021 contenha “apoio à esterilização nas associações zoófilas”.

Começou assim, a segunda ronda de negociações do Orçamento do Estado para 2021.