Há Ronaldo, há Messi, há muitos outros. Ainda assim, um treinador pode ter como principal adversário ou aliado não um nome, um jogador mas uma ideia: o ‘se’. E é na base do ‘se’ que o Tottenham pode olhar para a campanha na presente temporada para perceber nesta fase que, não fossem os empates caseiros consentidos nos descontos diante de Newcastle e West Ham quando tinha o jogo completamente controlado e estava na liderança da Premier League (aliás, bastava apenas ter evitado um desses finais e tinha a mesma pontuação na frente de Liverpool e Everton). No entanto, e entre esses dois resultados negativos, houve algo de positivo que foi crescendo e que se viu na última partida diante do Burnley decidida por Son: os spurs nem sempre conseguem jogar bem e nem sempre têm o controlo do jogo mas são mais consistentes em campo e materializam de outra forma a ideia de jogo.

A defesa melhorou com as chegadas de Matt Doherty e sobretudo Reguilón para as laterais, até na perspetiva de capacidade de envolvimento nas ações ofensivas (e o espanhol já conseguiu fazer a diferença nesse particular). E o ataque está ainda mais letal, com um Harry Kane a mostrar cada vez mais recursos e Son a manter o índice elevado de golos. Todavia, a grande diferença, que ajuda também a explicar o crescimento nos restantes setores, está no meio-campo. Na contratação de Höjberg, na subida de Sissoko, no renascimento de Ndombelé. “As palavras de Mourinho não me magoaram mas também não me motivaram. Assimilei, segui em frente. O que disse não é algo que goste de ouvir mas foi a época passada e já estamos a olhar para o futuro. Ainda não viram o melhor do Tanguy Ndombelé mas estou no caminho certo e ainda há muito por chegar”, comentou o francês.

Depois de um começo de aventura mais irregular e onde ficava a ideia que a mensagem não passava (essa foi aliás uma das perceções que saltou em algumas partes do documentário da Amazon “All or Nothing”), Mourinho começa a chegar a uma zona de conforto que lhe permite não só abordar a Premier League de outra forma mas também promover alguma rotatividade nos encontros da Liga Europa. E, em paralelo, “brincar” com algumas situações como aquela com que chocou no final do triunfo pela margem mínima frente ao Burnley no balneário, com vários jogadores agarrados ao telemóvel. “Depois de uma grande vitória num jogo muito difícil… Sinais dos tempos. Muito bem, rapazes”, escreveu o treinador português com uma imagem… na sua página de Instagram.

Na última temporada, Mourinho fez uma longa reflexão sobre essas mudanças, explicando que nesta altura não era tão fácil, ou sequer fácil, criar o espírito de grupo que tinha nas equipas campeãs europeias de FC Porto ou Inter, por exemplo. Nas concentrações, que eram feitas entre jogos e conversas entre todos, hoje abundam os telemóveis, as redes sociais, um sem número de distrações. Para o português isso não é bom nem é mau, reflete apenas uma mudança nos tempos mas atrapalha quem gosta de construir um bom ambiente fora de campo que depois possa ajudar na missão dentro das quatro linhas. E esse está também a ser o trabalho do Special One desde que chegou a Londres, rendendo-se também ele às redes sociais (em dose muito contida, acrescente-se) num ano em que será distinguido com o prémio Web Summit Inovation dedicado ao desporto, em dezembro.

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Tudo estava a correr bem até esta quinta-feira, altura em que, à semelhança do que tinha acontecido na estreia na Liga Europa frente ao LASK Linz, Mourinho mexeu na equipa. Mexeu demasiado na equipa. Na defesa, e vendo o onze que iniciou o encontro frente ao Burnley, Ben Davies foi o único repetente mas jogando como central e não na lateral; no meio-campo, uma dupla com Winks e Lo Celso tendo Dele Alli como falso terceiro elemento sem bola e segundo avançado em posse; na frente, Bergwjin, Bale e Carlos Vinícius fizeram de Lucas Moura, Son e Harry Kane. Resultado? A equipa praticamente não existiu em termos coletivos na primeira parte apesar das tentativas de Bale em visar a baliza e a defesa ficou muitas vezes exposta às transições dos belgas, que marcaram o único golo do encontro nesse período com um remate de Refaelov na área sem hipóteses para Lloris (29′).

O descontentamento de Mourinho ficou bem visível ao intervalo, com o técnico a lançar Höjberg, Lucas Moura, Son e Lamela de uma assentada antes de apostar também em Harry Kane. Do meio-campo para a frente a equipa voltou à fórmula habitual e, mesmo sem a cadência do costume, foi conseguindo chegar com outra qualidade a zonas de finalização. No entanto, e ao contrário do que tem acontecido, os problemas na transição defensiva, com a equipa de Aurélio Buta (que entrou na segunda parte) a ter várias oportunidades para fazer o 2-0 travadas por Lloris ou com má finalização antes de um final que confirmou não só a primeira derrota do Tottenham nesta Liga Europa mas também o chumbo dos habituais suplentes em mais uma chance concedida pelo português.