Um responsável do Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas, o português Pedro Matos, quer que Portugal use a sua presidência da União Europeia para mobilizar mais investimento nas causas da insegurança alimentar como forma de prevenir emergências.

“Investir nas causas da insegurança alimentar é muito mais eficaz do que apoiar as pessoas depois de elas precisarem. Uma das razões por que apoiamos tanta gente em emergência – 100 milhões – é porque não fomos capazes de impedir que caíssem nesta situação”, disse Pedro Matos. “O dinheiro disponível para resposta de emergência é muito mais do que o dinheiro para prevenir emergências”, acrescentou. Este responsável do PAM falava à agência Lusa no âmbito do lançamento em Portugal esta quarta-feira do Índice Global da Fome (IGF) 2020, numa sessão “online” promovida pela organização não-governamental Ajuda em Ação.

Pedro Matos, que integra atualmente a equipa do PAM no Sudão depois de ter passado pelo Mali e pela resposta de emergência após a passagem do ciclone Idai por Moçambique, sublinhou a necessidade de os esforços se focarem nas causas que levam “à insegurança alimentar, ao extremismo religioso e às migrações para a Europa”.

“É uma resposta mais humana e mais barata”, afirmou, adiantando que quer “convencer” a cooperação portuguesa a inserir esta questão nas suas prioridades para a presidência da União Europeia (UE). Por outro lado, destacou a importância de ligar alterações climáticas e conflitos. “Não basta fazermos negociações com os países para impedir que as migrações venham para a Europa, é preciso intervir sobre as razões que levam as pessoas a migrar”, referiu.

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Para o responsável do PAM, a insegurança alimentar está também “intimamente ligada” ao extremismo islâmico. “O que permite ao extremismo islâmico ter uma pegada tão grande e angariar tantos seguidores é que as pessoas não têm muitas alternativas de vida. A grande maioria das pessoas que combate pelo Estado Islâmico no Sahel e na Síria não são particularmente religiosas, não têm é meios alternativos de subsistência”, apontou. Por isso, quer que Portugal seja, durante a presidência portuguesa da UE, “o facilitador destas questões” para que se consiga “redirecionar muito mais dinheiro da resposta de emergência para as causas de emergência”.

Pedro Matos recordou que em todo o mundo existem atualmente cerca de 690 milhões de pessoas em insegurança alimentar, situação que “piorou muito” desde o início da pandemia de Covid-19.

Muitos países africanos não foram afetados fortemente pelas infeções, mas foram pelo impacto económico. As remessas dos imigrantes africanos no estrangeiro diminuíram muito, as trocas comerciais entre os países em desenvolvimento, a Europa e os Estados Unidos também diminuíram muito e começamos a ver, no terreno, um aumento muito acentuado de pessoas em situação de insegurança alimentar, frisou.

O responsável apontou que o número de pessoas em situação de fome extrema cresceu, nos últimos seis meses, de 130 milhões para 370 milhões.

“No Programa Alimentar Mundial estávamos a assistir cerca de 100 milhões de pessoas, ou seja, estávamos perto daqueles 130 milhões, mas cada vez vemos os nossos objetivos ficarem mais longe”, reconheceu.

Apesar de a organização não ter sentido ainda uma retração nas contribuições para os seus programas, Pedro Matos admitiu receios de que os países doadores, confrontados com os efeitos prolongados da pandemia, se centrem cada vez mais para as respetivas situações internas.

“Os nossos apelos vão continuar a aumentar e temos muito receio que os países, à medida que vão tendo situações prolongadas de terem de se focar nas suas próprias economias, comecem a virar-se para dentro e desligarem-se cada vez mais da cooperação multilateral”, salientou. Ainda assim, manifestou a expectativa de que o Prémio Nobel da Paz, atribuído este ano ao PAM, possa centrar as atenções nas causas da insegurança alimentar. “Somos a maior organização humanitária no planeta, mas na verdade não queremos ser. Gostávamos que este prémio permitisse focar as atenções nas causas que levam às emergências para que progressivamente fiquemos menores”, vincou.

De acordo com o IGF 2020, em mais de 50 países os níveis da fome continuam “graves” e “alarmantes” e os progressos no combate à insegurança alimentar mantêm-se “demasiados lentos”. Embora a Organização das Nações Unidas (ONU) tenha inscrito a erradicação da fome nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, um conjunto de 37 Estados não conseguirá atingir essa meta dentro dos próximos 10 anos.