Olhando para a oferta das plataformas de streaming, o candidato democrata, Joe Biden, está em clara desvantagem. Não há nenhuma série ou filme com a cara do ex-vice-presidente norte-americano, que conte a sua história ou que ficcione sobre o seu percurso em Washington. Por outro lado, olhando para o que existe sobre o atual presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, o catálogo é outro: documentários que exploram o seu passado (“Trump: An American Dream”), séries que espetam a agulha no seu presente (“The Comey Rule”) ou comédias (“Borat Subsequent MovieFilm”) que já levaram Trump a usar a palavra “canalha”.

Ora, como o dia das eleições está próximo — 3 de novembro — o Observador deixa-lhe sugestões para se preparar para o que aí vem, mas no sofá e com pouco esforço (e deixamos o óbvio “House of Cards” de fora para tentarmos ser menos previsíveis, apenas isso). Mas atenção: as séries e filmes que aqui sugerimos não falam só sobre os candidatos atuais. Para se compreender como é que os EUA chegaram até aqui, é preciso olhar para trás. Quer seja através da realidade ou da ficção. O que, à medida que o tempo passa, se torna cada vez mais difícil de distinguir.

“Veep”

HBO

A política americana do último ano (para não dizer “toda a política americana”) tem sido marcada pela presença masculina. E é por isso que começamos esta lista com uma sugestão de uma comédia onde a protagonista é uma mulher: em “Veep” (escrita por Armando Iannucci e lançada em 2012), Julia Louis-Dreyfus dá corpo a uma vice-presidente que se torna, a certa altura, líder dos EUA. São sete temporadas de uma das séries cómicas mais bem escritas deste século — os prémios e a crítica com que foi distinguida atestam-no.

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É como se “House of Cards” ganhasse uma segunda vida, mas agora num ritmo frenético, repleta dos melhores insultos alguma vez televisionados, com as situações mais alucinantes na Casa Branca e com personagens (Jonah Ryan, por exemplo, a figura mais odiada da série, mas que talvez represente melhor o estilo atual da política americana) tão bem desenhadas que fazem corar de vergonha outras tentativas deste género. Se o resultado do próximo dia 3 de novembro o fizer chorar, pode sempre virar-se para “Veep”. Ao menos vai aprender a dizer corretamente “Nevada”.

“The Americans”

Amazon Prime Video

A suspeita de interferência russa nas eleições norte-americanas tem sido uma constante desde que Donald Trump foi eleito. Mas e se, por breves instantes, fossemos levados a conhecer a vida de dois espiões russos nos EUA, ali nos idos da Guerra Fria? O mais provável era não sentirmos qualquer empatia, mas a verdade é que Elizabeth (Keri Russell) e Philip Jennings (Mathew Rhys) são, por fora, um casal comum com que todos nos podemos relacionar; por dentro — onde só o espectador pode olhar, até certo ponto — uns assassinos a sangue frio que também choram, sentem dor e se arrependem do que fazem.

Não, esta sugestão não surge como uma tentativa de tentar perceber o lado de eventuais hackers russos, antes pelo contrário. Mas sim porque “The Americans” contraria muitas séries e filmes deste género: é lenta, feita de diálogos, interrogações, contradições e dúvidas. Aqui a ação é muito menos importante do que o que se passa na sombra deste casal. É, no fundo, uma representação daquele período histórico, mas centrada em duas personagens. Todos achávamos que o mundo ia acabar com uma guerra nuclear, mas não (pelo menos até ver).

“The Comey Rule”

HBO

Esta sugestão cai aqui porque já tínhamos todos saudades de ver Jeff Daniels em papéis que procuram pesar a consciência (“Newsroom” deixará, para sempre, um amargo de boca por ter sido cancelada, pelo menos para os jornalistas). Aqui, em apenas quatro episódios, o ator interpreta o antigo presidente do FBI, James Comey, despedido por Donald Trump em 2018. Voltamos às eleições de há 4 anos para olhar para os bastidores de vários episódios controversos como os emails de Hillary Clinton, a interferência da Rússia nas eleições e a ligação da campanha do atual presidente dos EUA ao país liderado por Vladimir Putin.

A minissérie é baseada no livro do antigo diretor da agência federal (Lealdade a Toda a Prova). E não é nada amiga de Donald Trump. Basicamente é como se o Will McAvoy se tivesse fartado de ser pivô de televisão e tivesse optado por uma carreira no FBI. O tom é exatamente o mesmo. Vale por Jeff Daniels e por Brendan Gleeson como Trump.

“Patriot Act”

Netflix

Bem sabemos que John Oliver (“The Tonight Show” também disponível na mesma plataforma) leva a taça para o melhor humorista de infotainment dos últimos tempos. Mas convém estar mais atento, porque a escola “Daily Show” tem produzido dos melhores humoristas dos EUA, que têm enveredado ora pelo cinema, ora por programas de comentário político e satírico. Hasan Minhaj, protagonista de “Patriot Act” — e um dos correspondentes da antiga versão de “Daily Show” apresentada por John Stewart (que prepara um novo programa, para a Apple TV+) –, percorre ao longo de 39 episódios (a série foi entretanto cancelada) vários temas: liberdade de expressão, imigração, a Amazon ou a Arábia Saudita.

Tudo temas que se ligam também às eleições que estão prestes a acontecer. 25 minutos de humor que nos deixam constrangidos, feito de frente para o público e que destapa as contradições do sistema norte-americano. Sim, não espere ver um espectáculo de stand-up com anedotas e piadas fáceis. Vai acabar o episódio de sorriso na cara sim, mas, por outro lado, vai para a cama a pensar “que raio de mundo é este”.

“Obama: O Último Ano”

Netflix

Este é dos documentários que, para os fãs de Barack Obama, vai deixar muitos a suspirar. Um filme que acompanha o último ano de mandato do antigo presidente democrata, nas suas diversas viagens pelo mundo inteiro. É claro que existe sempre a dúvida sobre até que nível esta produção foi combinada, se quem o realizou teve realmente todo o acesso possível ou se teve até de cortar algumas partes. Mas esta é uma oportunidade para vislumbrar o que se passou antes dos 4 anos de Donald Trump. E acredite, não tem mesmo comparação. Talvez a parte mais interessante deste documentário seja entrar no núcleo duro do Partido Democrata no dia das eleições em 2016. A desilusão que se sente quase que sai disparada do ecrã.

“JFK”

Amazon Prime

Um filme com Kevin Costner deve constar em qualquer lista de recomendações. Então um realizado por Oliver Stone sobre o assassinato de John Kennedy, ainda mais. Da vasta gamas de teorias que existem sobre a morte do antigo presidente norte-americano, “JFK” um blockbuster dos anos 90, resolve debruçar-se sobre uma delas. É que este filme chegou mesmo a perturbar a opinião pública porque levanta suspeitas de que houve uma cobertura governamental sobre o assassinato, ainda que o realizador tenha defendido de que nada do que estava ali era verdadeiro. E como estamos na era das mentiras e das informações falsas, nada melhor do que continuar a encher as cabeças conspirativas com mais teorias. Mas não se esqueça: é só um filme… Mas um grande filme.

“The Loudest Voice”

HBO

Continuamos na senda de grandes atores, por isso, escolhemos uma série com Russell Crowe. E, atenção, o neozelandês, ainda que seja a cara do “Gladiador” e de “Mente Brilhante”, faz em “The Loudest Voice” um dos seus melhores papéis — se não o melhor. Ele é Roger Ailes, o homem que revolucionou a Fox News, depois de convidado pelo magnata Rupert Murdoch, transformando-a na máquina de propaganda republicana que é hoje.

Em sete episódios, pode muito bem vir a sentir nojo por Russel Crowe — as cenas de assédio sexual põem-se a jeito para esse efeito. Uma série para se perceber que o caos em que vivem os EUA no campeonato dos media e das “notícias” não foi potenciado pela eleição de Donald Trump. Essa foi, sobretudo, a consequência.

“Nada é Privado: o escândalo da Cambridge Analytica”

Netflix

Se a televisão sempre teve uma grande influência na hora de decidir o voto, a internet é bem capaz de ocupar esse papel por estes dias. É provável que acabe por largar as redes sociais depois de ver este documentário, mas pode ser tarde de mais. Os seus dados já foram provavelmente utilizados para uma qualquer campanha política, especialmente se tiver sido feita pela Cambridge Analytica, que utilizou milhões e milhões de dados durante a eleição de Donald Trump e durante o referendo do Brexit. Ou então, este é um parágrafo influenciado por uma enorme conspiração. O melhor é ver por si para tirar as suas conclusões.

São duas duras horas que destapam aquilo que se passa dentro dos nossos telemóveis, tablets e computadores e que tem a capacidade de influenciar grandes decisões mundiais. Caso não se tenha chocado o suficiente, pode sempre ver o “The Social Dilemma”, outro documentário, mais recente, sobre temas semelhantes na Netflix.

“The Plot Against America”

HBO

Para quem leu o livro de Philip Roth com o mesmo nome, pode ser uma desilusão — não foi a primeira vez nem será a última, quando está em jogo a adaptação de uma obra literária. Mas também pode ser uma nova (e bem conseguida) forma de olhar para esta história. Como diz o outro: é uma questão de gosto.

O cenário é o seguinte: estamos em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, e Roosevelt perdeu as eleições presidenciais para Charles Lindbergh, piloto populista que dá a mão à Alemanha nazi. E se na Europa o antisemitismo corroeu praticamente todos os países, nesta série, os judeus são “suavemente” perseguidos um pouco por todo o território norte-americano. Mas o “suavemente” passa, de forma quase escondida, para um nível de agressão que contamina toda uma nação. Uma minissérie de seis episódios que assusta por não parecer assim tão distante.

“Trump: An American Dream”

Netflix

Não é que a história de Donald Trump seja novidade para ninguém, mas conhecê-la de perto, desde o seu percurso no ramo do imobiliário, aos casinos e às manchetes de casos com mulheres, dá outra perspetiva sobre o seu mandato. Talvez o mais surreal seja perceber como é que o antigo apresentador do “The Apprentice” conseguiu contornar, vezes sem conta, o sistema judicial (sobretudo por não pagar o que devia). Mas é também uma série documental que nos mostra como uma figura que é vista agora quase como sendo diabólica, foi adorada, idolatrada e seguida por milhões de pessoas, quase como uma cereja perversa no topo do bolo do sensacionalismo.

“The Report”

Amazon Prime Video

Adam Driver tem andado a encantar Hollywood desde que entrou  em “Star Wars”, “Pattinson” e “Marriage Story”. Neste filme, o ator norte-americano interpreta um investigador do Comité de Inteligência do Senado, no pós-11 de Setembro, que vai dar de caras com os novos métodos de interrogatório (especialmente recorrendo à tortura) da CIA. Sim, pode ser um filme com muita conversa, mas esta lista não se pode focar exclusivamente na política norte-americana. O músculo securitário e de defesa dos EUA tem influenciado toda a geopolítica mundial — e tem feito com que whistleblowers, como Edward Snowden, tenham de fugir para o outro lado do mundo. Como há muita coisa que se passa nessas agências que o público não sabe (quase tudo, vá), “The Report” tenta, pelo menos, levantar o véu, já anteriormente destapado pela comunicação social. E numa altura em que menos gente lê notícias, uma boa aposta pode estar nos filmes. Assim seja.

“13.ª Emenda”

Netflix

Este documentário (que foi nomeado para os Óscares), realizado por Ava Duvernay (“When They See Us” ou “Selma: A Marcha da Liberdade”) já tem quatro anos, mas a história da relação dos EUA com as prisões não. É um dos países do mundo com maior percentagem de presidiários — em especial, os negros –, fazendo com que, segundo o filme, exista um novo nível de escravatura, mas agora feito atrás das grades. O título refere-se precisamente à emenda que aboliu essa prática, aprovada em 1864, quando Abraham Lincoln era Presidente. No mesmo sentido, há uma conversa disponível na plataforma entre Oprah Winfrey e a realizadora, caso queira continuar a tentar perceber melhor o sistema judicial norte-americano.

“Simpsons”

Disney +

Sim, é bem capaz de ser a escolha mais previsível desta lista. Mas a sitcom mais amarela das nossas vidas, criada por Matt Groening, tem sido a maior vidente quando chega a hora de fazer previsões sobre política mundial. A eleição de Trump, a crise na Grécia, a ida do presidente norte-americano à Arábia Saudita que incluía uma bola brilhante ou uma nova gripe asiática. É tudo isto e é também o facto de ser, por outro lado, um dos conteúdos televisivos mais antigos (estreou em 1989) e que continua em atividade. É ver se nos próximos episódios conseguem prever o que se vai passar no mundo num futuro próximo. Que seja a rir, pelo menos.

“Borat Subsequent Moviefilm”

Amazon Prime Video

Wawaweewa! É com uma nota profundamente divertida  e provocadora que terminamos estas sugestões.  Borat, o jornalista do Cazaquistão eternizado por Sacha Baron Cohen, voltou a tempo de começar uma pequena erupção no Partido Republicano — e tudo isto foi rodado durante a pandemia. Desta vez, a ideia é tão estapafúrdia que parece impossível: ou Borat entrega a filha a Mike Pence para restaurar a imagem do país, ou acaba morto.

A personagem viaja até à América mais profunda e mais conservadora, onde se vai colocando em situações de pura vergonha alheia para o espectador e de quase de risco de vida para Sasha Baron Cohen (basta ver os vídeos que tem partilhado na sua conta oficial de Twitter). O ponto alto é o encontro entre a sua filha e o advogado de Trump, Rudy Giuliani, num quarto de hotel, depois de uma entrevista. Um segmento que já virou escândalo nacional. A linha entre o que é real e ficção fica por explicar, mas as possíveis consequências desta sátira não podem ser esquecidas. Resta saber se vão influenciar a decisão do próximo dia 3 de novembro.