A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) considera “exagerada” e “indiscriminada” a proposta do Governo que faz recair sobre as empresas a obrigatoriedade de demonstrarem perante o trabalhador a impossibilidade de recorrerem ao teletrabalho.

Em causa está uma proposta que o Governo enviou no domingo à noite aos parceiros sociais, a que a Lusa teve acesso, para alterar o Decreto-Lei n.º 79-A/2020, de 30 de setembro que estabelece “um regime excecional e transitório de reorganização do trabalho e de minimização de riscos de transmissão da infeção da doença Covid-19 no âmbito das relações laborais”, visando adequá-lo às novas medidas de controlo da pandemia aprovadas no Conselho de Ministros extraordinário de sábado.

Entre essas novas medidas, que entram em vigor dia 4 de novembro, inclui-se a obrigatoriedade de “adoção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer”, sendo excluída a necessidade de acordo escrito entre o empregador e o trabalhador.

A proposta enviada aos parceiros sociais prevê que, “excecionalmente”, quando entenda que não existem condições para o recurso ao teletrabalho, “o empregador deve comunicar, fundamentadamente e por escrito, ao trabalhador a sua decisão, competindo-lhe demonstrar que as funções em causa não são compatíveis com o regime do teletrabalho ou a falta de condições técnicas mínimas para a sua implementação”.

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O texto dá ainda a possibilidade de o trabalhador solicitar à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) a verificação dos factos invocados pelo empregador, dispondo de três dias para o fazer e a ACT de cinco para responder.

A CCP entende, contudo, que colocar no empregador “o ónus da demonstração da impossibilidade de adotar o teletrabalho para umas dadas funções”, sendo ainda esta decisão “sindicável” pela ACT, é uma medida “com precedente na 1ª fase da pandemia, em março-maio do corrente ano, que se afigura agora exagerada por ser indiscriminada”.

Deixar à demonstração ‘fundamentada e por escrito’, pelo empregador ao trabalhador, a prova da ‘possibilidade/impossibilidade’ de adoção do teletrabalho nada resolve”, refere a CCP no seu parecer, questionando: “Como se prova que é impossível? Com argumentos de razoabilidade, de bom senso? Apresentando as brutais e abruptas quebras de faturação que as empresas do comércio e serviços sofreram com o confinamento indiscriminado de Março-Maio? Como tem a ACT competência para aferir estes ‘indicadores’?”.

Para a confederação presidida por João Vieira Lopes, o confinamento indiscriminado da população que trabalha, ainda que circunscrito aos concelhos que caiam nos novos critérios adotados pelo Conselho de Ministros, “é uma medida cega, que peca por falta de critério” e que, no caso do comércio que implica contacto presencial com os clientes, “equivale à quase paralisação das empresas”.

Outro dos pontos da proposta que merece o parecer negativo da CCP tem a ver com a possibilidade de o trabalhador que não disponha de condições para exercer as funções em regime de teletrabalho, poder invocar impedimento informando o empregador dessa sua situação.

“E qual é a solução nesse caso? Fica dispensado de prestar atividade, ou deve prestá-la presencialmente? E, no primeiro caso, mantém todos os direitos laborais dos restantes trabalhadores, incluindo os teletrabalhadores, que se encontrem a trabalhar?”, questiona a CCP.

A proposta do Governo determina que em teletrabalho, o trabalhador tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, sem redução de retribuição, mantendo o direito a receber o subsídio de almoço, situação que a CCP contesta por entender que esta subsídio de refeição é uma prestação inerente à prestação “efetiva e presencial de trabalho”.

Suspensão da caducidade dos contratos coletivos é medida “sem fundamento”

A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal considerou esta segunda-feira a proposta do Governo para suspender a caducidade da contratação coletiva uma medida “sem fundamento, sem razoabilidade”, questionando a sua constitucionalidade.

“A medida proposta afigura-se, pois, sem fundamento, sem razoabilidade e sem adequação ou proporcionalidade à realidade vivida”, defende a CCP no seu parecer sobre a proposta do Governo relativa à suspensão da sobrevigência das convenções coletivas de trabalho.

Para a CCP, a “constitucionalidade” da medida “é discutível”, uma vez que “um adiamento legal de prazos de caducidade (…) atenta contra a autonomia, liberdade e reserva da contratação coletiva do trabalho pelos seus únicos agentes constitucionalmente admitidos, as partes outorgantes”.

A confederação presidida por João Vieira Lopes lamenta ainda que a proposta do Governo sobre a suspensão da caducidade dos contratos coletivos “não resulte de um processo negocial efetivo, em sede de CPCS [Comissão Permanente da Concertação Social]”.

A argumentação do Governo de que a pandemia de Covid-19 é propícia a uma “menor propensão para a negociação” e para a renovação da convenção coletiva e que pode conduzir a um aumento das situações de denúncia e a lacunas, é para a CCP “dificilmente compreensível”.

Por outro lado, a confederação questiona por que motivo o Governo decidiu a suspensão por 24 meses.

“Porquê dois anos? É o prazo que o Governo estima que vai durar este surto de doença pandémica?”, pergunta a CCP.

O Conselho de Ministros apreciou na generalidade em 8 de outubro uma proposta de lei que procede à suspensão excecional do prazo de contagem de prazos associados à caducidade e sobrevigência dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, nos termos previstos no Código do Trabalho.

Onze dias depois, em 15 de outubro, o Governo apresentou um documento aos parceiros sociais, na reunião da Concertação Social sobre o Orçamento do Estado para 2021 (OE2021), com as prioridades para o próximo ano, entre as quais a suspensão da caducidade dos contratos de trabalho.

Por outro lado, no mesmo documento entregue aos parceiros sociais, o Governo defende que as empresas com contratação coletiva devem ser beneficiadas no acesso a apoios nacionais e europeus.

“Importa estimular a cobertura e o dinamismo da negociação coletiva, nomeadamente introduzindo incentivos e condições de acesso a apoios e incentivos públicos, a financiamento comunitário e à contratação pública relativos à existência de contratação coletiva”, lê-se no documento do Governo.