O Tribunal de Contas (TdC) defendeu esta terça-feira que a recuperação da atividade interrompida no Serviço Nacional de Saúde devido à pandemia de Covid-19 “pode justificar a criação extraordinária de incentivos específicos” no sistema de financiamento do SNS.

Para o Tribunal de Contas, a recuperação da atividade interrompida devido à pandemia de Covid-19 requer cuidados adicionais na prática clínica, sob pena de a capacidade instalada ser insuficiente face ao acréscimo de procura, “sem o aumento acentuado dos tempos de espera”.

Na sequência de uma ação de controlo, o TdC sugeriu que após o confinamento geral decorrente do estado de emergência (que vigorou na primeira vaga da pandemia) “poderá ser oportuno proceder a um reconhecimento no Serviço Nacional de Saúde das melhores práticas administrativas de reorganização dos serviços, bem como a revisão e o ajustamento de planos de contingência”, por forma a conhecer e avaliar a afetação de recursos ao tratamento dos doentes com Covid-19, face às necessidades de diagnóstico e tratamento de outras doenças, ainda que não urgentes.

Em maio, o Tribunal de Contas redefiniu as prioridades do Plano de Ação para 2020 e introduziu ajustamentos de apreciação do impacto da doença. Neste contexto, organizou uma ação de controlo relativa à gestão da pandemia pelo Ministério da Saúde, cujos resultados preliminares divulgou esta terça-feira, focando-se nos impactos da crise pandémica na atividade do SNS e no acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde prestados.

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As medidas de contingência adotadas no setor da saúde incluíram o adiamento da atividade programada (não urgente) desenvolvida no SNS, como forma de conter a evolução do contágio e de garantir capacidade para fazer face às situações de Covid-19. Por outro lado, observou o TdC, o receio da população também levou à diminuição da procura dos serviços de saúde, incluindo os urgentes.

A atividade dos prestadores do SNS nos meses de março a maio de 2020 foi inferior à registada no mesmo período de 2019. No relatório divulgado esta terça-feira, o TdC destacou a redução da atividade cirúrgica programada (-58%, 93.300 cirurgias), da atividade dos serviços de urgência hospitalares (-44%, 683.389 atendimentos) e das primeiras consultas externas médicas hospitalares (-40%, 364.535 consultas).

Por sua vez, o recurso à teleconsulta foi “relevante para conter a redução da atividade presencial” nos cuidados de saúde primários (aumento de 83% das consultas não presenciais ou inespecíficas, passando a representar 65% do total), “embora nos cuidados de saúde hospitalares a realização deste tipo de consultas se tenha mantido residual”, de acordo com os dados apresentados.

A retoma da atividade não urgente no SNS foi enquadrada por despacho da ministra da Saúde, Marta Temido (02 de maio), que determinou medidas “potencialmente promotoras de uma mais eficaz e eficiente alocação dos recursos, ainda que existam riscos quanto à sua concretização”, concluíram os relatores. Em junho, os resultados da retoma da atividade “não se revelaram uniformes”, indicaram os responsáveis do TdC por este trabalho.

“Verificou-se uma recuperação parcial dos níveis de produção de consultas e cirurgias programadas em algumas unidades hospitalares, mas, na generalidade das unidades, a produção manteve-se inferior à realizada em 2019“, escreveram os autores do documento.

Agora, “o desafio sobre a alocação adequada dos recursos e a regulação dos níveis de serviço disponibilizados, na medida do necessário, mantém-se no presente e no futuro próximo, tendo em conta a necessidade de recuperação da atividade programada não realizada e a resposta do Serviço Nacional de Saúde à segunda fase de maior incidência da pandemia”.

As novas inscrições de utentes para consulta externa hospitalar (referenciadas pelos cuidados de saúde primários) e para cirurgia “reduziram-se acentuadamente”. “Até maio, foram feitos apenas 67% dos pedidos de consulta e realizadas 42% das inscrições para cirurgia ocorridas no período homólogo de 2019″, notou o TdC. No entanto, as medianas dos tempos de espera dos utentes em lista agravaram-se entre 31/12/2019 e 31/05/2020: nas consultas externas, de 100 para 171 dias, com cerca de 69% dos inscritos em 31/05/2020 a aguardar além dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos (TMRG). Nos inscritos para cirurgia, a variação foi de 106 para 147 dias, com cerca de 43% dos inscritos em 31/05/2020 a ultrapassar os TMRG.

“Verificou-se alguma deterioração do cumprimento do TMRG nas cirurgias realizadas em maio de 2020, ainda que se mantivesse relativamente próximo dos valores registados em anos anteriores”, revelou a ação de controlo. Nas cirurgias mais urgentes (prioridades 3 e 4, doença oncológica e não oncológica), o cumprimento dos TMRG melhorou, “reflexo do foco da atividade nestes doentes, face aos menos urgentes”.