Há várias décadas que os subúrbios são um saco de pancada, um alvo favorito da sátira, da paródia ou da execração da literatura, da televisão e do cinema americanos, representados em contos, romances, séries e filmes como símbolos, metáforas ou alegorias do conformismo, do convencionalismo, do conservadorismo e do consumismo satisfeito da classe média afluente, composta por famílias encerradas em filas a perder de vista de casas todas iguais, vivendo existências mesquinhas, quotidianas, acomodadas e sem horizontes. De tal forma, que o ataque aos subúrbios se transformou ele mesmo num gigantesco cliché.
“Vivarium”, do irlandês Lorcan Finnegan, labuta em grande parte sobre este lugar-comum do subúrbio estandardizado e estultificante, num registo de episódio da “Twilight Zone”, esticado para caber no formato de uma longa-metragem. Tom (Jesse Eisenberg), um médico de árvores americano, e Gemma (Imogen Poots), uma professora primária inglesa, andam à procura de casa para se instalarem e depois casarem e formarem família. E são conduzidos por um agente imobiliário para uma das moradias do enorme bairro suburbano de Yonder, a número 9, onde cada casa parece um “clone” da outra e mais ninguém lá vive. Ou assim parece. (A fita é reminiscente de uma curta-metragem do mesmo realizador, “Foxes”, que pode ser vista no YouTube, e vale a pena).
[Veja o “trailer” de “Vivarium”:]
https://youtu.be/JehY63ao0zI
Quando Tom e Gemma dão por eles, o agente desapareceu e estão presos no labirinto do imenso bairro uniforme e vazio de gente, onde tudo parece artificial, incluindo as nuvens no céu e a relva dos jardins. Não importa quantas voltas eles deem com o carro, vão sempre desembocar no mesmo sítio, a casa número 9. Onde acabam por ter que se instalar quando a gasolina acaba. Pouco tempo depois, têm uma caixa de cartão à porta com comida e artigos de higiene pessoal. E alguns dias depois, outra caixa. Esta contém um bebé, e um bilhete: para serem soltos, têm que o criar. Tom e Gemma são agora uma família, com uma casa e um filho, cortesia da Remax do inferno.
[Veja uma entrevista com o realizador Lorcan Finnegen:]
E se são prisioneiros daquela, vão ficar reféns deste, porque não se trata de uma criança vulgar. O menino tem aparência humana, mas tanto poderá ser um alienígena antropomórfico, como uma criatura mutante que imita, com uma perfeição sinistra, as vozes, os gestos e as atitudes de Tom e Gemma, que não sabe o que é um cão e nunca sonha, que grita de forma insuportável quando tem fome ou não o deixam ver a televisão cujo único canal parece receber emissões de um qualquer planeta distante, e os espia quanto eles fazem amor. E que cresce a um ritmo perfeitamente anormal.
[Veja uma entrevista com Imogen Poots:]
Com a sua mais que óbvia referência inicial aos cucos e ao seu comportamento nos ninhos alheios que invade e parasita, e que remete para a situação central da história; e apesar de ter uma atmosfera de realidade artificial conseguida e um punhado de momentos incómodos ou sinistros bem arrancados (ver o uso que vai ter o buraco obsessivamente cavado por Tom no relvado da frente da casa), assim como uma boa interpretação de Imogen Poots numa mulher que resiste até ao limite aos seus instintos maternais, “Vivarium” é mais outra alegoria, muito elaborada mas superficial e previsível, sobre – acertaram!- o horror da vida suburbana uniformizada, sem alma e desumanizadora, dobrada de ataque à família média nuclear.
[Veja uma entrevista com Jesse Eisenberg:]
Lorcan Finnegan podia, pelo menos, ter deixado o filme um bocadinho mais bem explicado no final. Um final, aliás, que qualquer apreciador de fantástico e de ficção científica minimamente tarimbado adivinha quando “Vivarium” ainda vai a meio. Basta ver para o aspeto da insofrível criancinha e o que ela tem vestido.