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Catarina, Lídia, Emília e Márcia tomam um chá com vista para o fim do mundo

Este artigo tem mais de 3 anos

Estreia-se este sábado "Só Eu Escapei", de Caryl Churchill, no Teatro Aberto, com interpretação de Catarina Avelar, Lídia Franco, Maria Emília Correia e Márcia Breia num baile de lucidez trágica.

"Parece que este texto foi escrito agora, para a situação atual do ser humano e do mundo, quando afinal ela o escreveu há quatro anos", diz Lídia Franco
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"Parece que este texto foi escrito agora, para a situação atual do ser humano e do mundo, quando afinal ela o escreveu há quatro anos", diz Lídia Franco

FILIPE FIGUEIREDO

"Parece que este texto foi escrito agora, para a situação atual do ser humano e do mundo, quando afinal ela o escreveu há quatro anos", diz Lídia Franco

FILIPE FIGUEIREDO

A relva nem sempre tem de ser fofinha e as árvores nem sempre têm de parecer reais. Num jardim nada naturalista, quatro mulheres deambulam por entre as memórias da sua existência, as novas e as já caducas preocupações, o clássico “há-vinte-anos-não-era-nada-disto”, o lamento pelas visitas pouco frequentes dos filhos, a loja de ferragens que pelo meio foi lavandaria e estúdio de tatuagens antes de ser o nada que é agora.

Quatro mulheres na terceira idade, de chá sempre pronto, circulam em assuntos mundanos como quem sugere que o quotidiano nem sempre tem de ser ligeiro e pouco profundo. Só Eu Escapei é um texto da britânica Caryl Churchill que João Lourenço decidiu encenar para Catarina Avelar, Lídia Franco, Maria Emília Correia e Márcia Breia, quatro atrizes com trajetos inegáveis de sucesso nos demais corredores da representação nacional. É a nova produção do Teatro Aberto e estreia este sábado às 19h.

Mas neste enredo não se tenta apenas abolir a espuma dos dias. Há o plano do tal jardim, com cores vivas, o verde na flor da idade e o roxo que nunca podia dar vegetação tão estranha, mas tudo isso dá lugar à escuridão. É aí que uma das senhoras — interpretada por Márcia Breia — se desloca a um dos extremos da boca de cena e, acompanhada por um vídeo quase sempre ilustrativo das palavras que enuncia, discorre sobre uma série de situações de calamidade.

Ou seja: ora se bebe chá, ora se vê o mundo a acabar. São tempestades de areia, ditaduras do vento, distopias em que toda a comida do mundo é desviada para programas de televisão, epidemias à boleia da ingestão de açúcar oriundo dos macacos, incêndios cuja área ardida forma novos países e continentes. E que não deixa, como explica Lídia Franco, de piscar o olho ao momento que passamos:

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“Nunca me tinha cruzado com esta autora, infelizmente, porque é uma autora extraordinária. Mas, de facto, algumas peças já têm sido apresentadas em Portugal e algumas até mais do que uma vez. É considerada uma das melhores autoras do mundo. Este texto é genial e extremamente difícil de fazer. Parece que foi escrito agora, para a situação atual do ser humano e do mundo, quando afinal ela o escreveu há quatro anos”.

Esta dualidade de cenários é como uma diversão atribulada num parque temático: tanto nos permite contemplar a natureza, como nos vira de cabeça para baixo. Entre eles, como separador, como elemento quase coreográfico de transição entre cenas, serve-se e bebe-se o chá. Mas este chá, não o líquido, mas a situação, tem muito que se lhe diga:

“É muito inglês desse ponto de vista, as senhoras tomam chá e encontram-se nos seus jardins. Isto é realmente um chá catastrófico. É um espectáculo doméstico e alarmante, há aqueles momentos de conversa sobre assuntos aparentemente vulgares, mas que pouco têm de vulgar porque remetem todas para assuntos mais graves da vida quotidiana de cada pessoa. No cartaz da estreia da peça em Londres, há uma chávena cujo chá está em ebulição, convulsão, portanto este chá não é um chá normal, não é um chá verde, era já um chá poluído. E depois têm esta zona de exposição daquilo que está a destruir a nossa civilização”, afirma Maria Emília Correia.

Catarina Avelar, Márcia Breia, Maria Emília Correia e Lídia Franco: as protagonistas de "Só Eu Escapei", em cena do Teatro Aberto, em Lisboa, a partir deste sábado

FILIPE FIGUEIREDO

Atriz cuja última participação num espectáculo teatral havia sido nesta mesma casa, em 2016, com Ao Vivo e em Direto, um texto de Raúl Malaquias Marques encenado por Fernando Heitor e com Rui Mendes, Paulo Pires, Dina Félix da Costa, entre outros, no elenco. Márcia Breia, por sua vez, tinha brilhado em Worst Of, criação do Teatro Praga para o Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII) e para o Teatro Municipal do Porto, em 2018.

Para Lídia Franco já foi há mais tempo: em 2008, estreou o monólogo de Eric-Emmanuel Schmitt, Óscar e a Senhora Cor-de-Rosa, com encenação da norte-americana Marcia Haufrecht. A mesma casa onde Catarina Avelar, em 2014, fez parte de Três Mulheres Altas, texto de Edward Albee e encenação de Manuel Coelho, contracenando com Inês Castel-Branco, Paula Mora e José Neves. Hoje tem 81 anos, na altura teria 75 e já pensava ser o fim:

“Pensei que seria o último, que já não fazia mais teatro. E agora acho que é o último, acho sempre que é o último, depois não sei, há qualquer coisa, até digo a amigos para me relembrarem disso quando me convidam”, admite Catarina Avelar, que fez parte do elenco residente do TNDMII durante muitos anos.

O curioso é pensarmos que seria relativamente normal considerarmos que estas quatro atrizes altamente experimentadas em Portugal já teriam coincidido em alguma produção. Mas nunca aconteceu. Embora os cruzamentos e as combinações entre as quatro sejam muitos, este é um momento inédito. Maria Emília Correia e Catarina Avelar cruzaram-se “há uns quarenta anos, num espectáculo organizado pelo Teatro Nacional, mas que decorreu no Teatro da Trindade”, era o Baal, de Brecht, encenado por João Lourenço, com Mário Viegas e João Perry como protagonistas. Por outro lado: “Aquela piquena [aponta para Maria Emília Correia] deu-me a primeira deixa do Teatro Experimental do Porto, há uns 53 ou 54 anos. Ainda nos anos 60”, diz Márcia Breia. Lídia Franco recorda a cumplicidade com Catarina Avelar em Cuidado com as Aparências, série do início do novo milénio, transmitida pela SIC.

Seja a duas ou a três, em cinema ou televisão, as ligações são infinitas. “Sim, mas além dos cruzamentos conhecemos e admiramos o trabalho umas das outras, é realmente um privilégio estar aqui com estas colegas”, confessa Lídia Franco. E é representativo. É certo que o texto é escrito para 4 mulheres de mais de 70 anos, mas podia não ser feito dessa forma e podia não ser feito agora. Soa quase a um tributo de carreira por parte de João Lourenço a este quarteto fantástico. Por falar em quarteto, é mesmo assim que se caracterizam: “É aquilo a que chamamos de orquestra de câmara, se uma falha uma nota lá vai tudo por água abaixo, é muito perigoso, é muito difícil”, explica Maria Emília Correia.

Relativamente aos tópicos levantados pelo texto, onde há uma certa denúncia dos erros cometidos pela humanidade sobre o planeta, revelam-se apologistas da ecologia e praticantes de reciclagem. Márcia Breia diz que arranjou os quatro recipientes a que tem direito para a sua cozinha. “A única coisa que às vezes não é muito clara é o que realmente se pode reciclar, há dúvidas, sei lá, o que é que eu faço às lâmpadas?”, remata.

Entre suspiros reveladores de uma certa impaciência e cansaço, entre assunções de última participação numa criação teatral ou convites por surgir, as quatro atrizes dizem que o seu próximo grande projeto é esperar e para ver o que vai acontecer com a situação pandémica. E já não é pouca coisa.

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