O estado de emergência que entra em vigor na segunda-feira está para durar. O primeiro-ministro já o tinha admitido quando o foi pedir ao Presidente da República, na passada segunda-feira, mas agora diz mesmo que vai durar “no limite até ao fim da pandemia”. “Isto não quer dizer que as medidas durem permanentemente, mas há cobertura jurídica para as aplicar”, explicou esta manhã em entrevista à Antena 1 onde também falou das suas regras para o Natal, preparando os portugueses.

Uma coisa é já certa para António Costa, “as famílias numerosas vão ter de fazer um Natal repartido“. E dá o exemplo da sua própria família que apesar de “não ser numerosa” já decidiu como vai organizar-se nessa época festiva: “Não conseguimos estar todos na mesma casa, por isso vamos dividir-nos”. É o que, nas entrelinhas, aconselha os portugueses a fazerem nessa altura em que o Governo não quer evitar ter de aplicar medidas restritivas quanto à circulação entre concelhos.

Para já e com a entrada em vigor do estado de emergência sabe-se que o Governo está a preparar medidas restritivas adicionais, que vai decidir no Conselho de Ministros extraordinário deste sábado. Na entrevista que deu esta sexta-feira, Costa não detalha se vai aplicar o recolher obrigatório, mas não nega que está em cima da mesa — e que é uma possibilidade que o decreto presidencial abre.

Durante a entrevista o primeiro-ministro recusa que tenha sido um problema nacional e do seu Governo a resposta tardia à segunda vaga da Covid-19 no país, argumentando que toda a Europa foi surpreendida por uma onda que chegou antes do previsto. Também assumiu que a situação coloca uma “pressão enorme” sobre o SNS e que “temos de estar bem conscientes da gravidade da situação”. O primeiro-ministro não descarta, de resto, o recurso aos privados e ao setor social para reforçar a capacidade do SNS — o que o decreto do estado de emergência já possibilita, “prefencialmente por acordo”, o que não impede a requisição civil.

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“Da parte do Estado não há qualquer objeção a fazer essa contratualização” com o setor privado, diz afastando questões ideológicas, embora não sinalize já quando será necessário disparar essa bala. O SNS aguenta? “Se tivermos 10 milhões de infetados, não. Se todos conseguirmos controlar a pandemia, sim”. A possibilidade está prevista no estado de emergência para ser usada caso haja necessidade, detalhou sublinhando ao mesmo tempo que “nunca houve uma questão de dinheiro aqui, já que o SNS tinha tido o maio reforço orçamental há um ano”. E mantém a perspetiva que as pessoas têm preferido o público para serem tratadas para a Covid-19.

A este propósito até chega a refrear a ideia que venha a ser necessário um retificativo no próximo ano, explicando declarações do ministro das Finanças a admiti-lo. Afinal o que João Leão quis dizer foi apenas que a hipótese está lá, mas Costa garante que este Orçamento “é para todo o ano e dá resposta robusta a todas as áreas e que só haverá retificativo se a crise se se agravar”. O socialista está, aliás, convencido — e cita instituições europeias — que “o ano de 2021 já será ano de recuperação da economia”. Isto ainda que assuma que “esta é a maior crise económica que alguma vez se viveu”, quando fala na “impossibilidade” de “conseguir evitar a insolvência de todas as empresas” nesta fase mesmo com  novo pacote de medidas de apoio à economia que foi anunciado esta quinta-feira.

Quanto à gestão da pandemia pela ministra da Saúde, Costa disse que Marta Temido sai com a confiança “reforçada” junto do primeiro-ministro. “Nenhum ministro da Saúde foi submetido a uma prova tão grande” e Marta Temido tem respondido bem, defendeu o chefe de Governo.

A resposta a Marcelo: “Não me sinto um Churchill”

Na parte mais política da entrevista, o primeiro-ministro ainda falou da fragilização política do Governo, depois de o Bloco de Esquerda ter votado contra o Orçamento do Estado para 2021. Continua a abrir a porta ao partido liderado por Catarina Martins — “com o BE também não temos nenhuma porta fechada para continuarmos a trabalhar” — e afasta a possibilidade de uma crise política com eleições antecipadas.

“Seria muito mau”, disse quando confrontado com um cenário de legislativas dentro de um ano. Mas logo de seguida lança-se nesse mesmo combate político, com uma linha de argumentação já afinada: “Não escolhi governar em tempo de pandemia mas não fujo à pandemia. Estou cá para a enfrentar e para recuperar o país. Quem já empurrou a pedra uma vez empurra uma segunda vez”.

Depois de uma no cravo, outra na ferradura, com Costa a garantir que “a última coisa que um político pode andar a fazer nesta fase é a pensar no seu futuro ou no do seu partido”. E ainda um aviso duplo para o Presidente da República, que em entrevista à RTP na segunda-feira disse antevê difícil que Costa saia vitorioso de futuras eleições “em contexto de pandemia”.  “Conta-se por um ou dois dedos da mão os governos que foram reeleitos”, disse Marcelo lembrando que “Churchill ganhou a guerra e foi corrido a seguir”. Ora para Costa esta bicada presidencial é afinal “elogiosa” e tem um recado para Belém: “É uma comparação muito elogiosa mas não me sinto um Churchill, infelizmente”.

A entrevista de Marcelo nas entrelinhas. A culpa, a emergência diferente e Churchill como fatalidade

O socialista voltou a dizer que não “vira as costas ao país” em tempo de crise e espera manter boas relações com quem ficar em Belém depois das Presidenciais de janeiro. Sobre este tema, António Costa não revela qual será a posição da direção do PS e questionado sobre se já falou com Ana Gomes desde que a socialista apresentou candidatura a Belém, é lacónico: “Não”. O PS decide este sábado sobre o seu apoio nestas eleições, numa reunião da Comissão Nacional do partido.

Nesta entrevista foi ainda questionado sobre a investigação no Ministério Público ao seu ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, e ao secretário de Estado da Energia, João Galamba, no negócio do hidrogénio verde. “Estou absolutamente descansado por confio nas instituições e no Estado de Direito”. E também disse que “não há sequer suspeitos” e que “o ministro apresentou queixa crime por denúncia caluniosa”.