As duas declarações chegaram às caixas de correio eletrónico dos jornalistas com sete minutos de diferença, pouco tempo depois de todos os principais meios de comunicação social norte-americanos terem declarado Joe Biden como vencedor das eleições presidenciais. Primeiro a de Donald Trump, depois a de Joe Biden. São duas mensagens históricas em sentidos diametralmente opostos: sem referências ao antecessor ainda em funções, Biden apela à união do país; Donald Trump recusa o resultado da eleição, dispara as críticas habituais a Biden e à comunicação social, embarca na teoria da conspiração desenhada para o prejudicar e promete lutar nos tribunais.

Joe Biden. A crítica à retórica de Trump e o apelo à união

“Caros compatriotas americanos,

Estou honrado e humilde pela confiança que o povo americano colocou em mim e na vice-presidente eleita Harris.

Perante obstáculos sem precedentes, um número recorde de americanos votaram, provando mais uma vez que a democracia bate fortemente no coração da América.

Com a campanha terminada, é o momento de deixar a raiva e a retórica dura para trás, para nos unirmos enquanto nação.

É altura de a América se unir. E se curar.

Somos os Estados Unidos da América. E não há nada que não consigamos fazer se o fizermos juntos.”

A mensagem de Joe Biden não inclui referências diretas a Donald Trump, mas a crítica é bem clara. Depois de se mostrar humilde com a confiança dos norte-americanos, o agora Presidente-eleito rebate todas as alegações infundadas de fraude eleitoral proferidas por Trump nas últimas semanas e destaca que o resultado surge de um sentimento democrático que “bate fortemente no coração da América”. Biden elogia também o número recorde de eleitores que acorreram às urnas este ano, como forma de sublinhar que a polarização política acentuada pela Presidência de Donald Trump mobilizou grande parte do país para os esforços de o retirar da Casa Branca.

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Por outro lado, Biden é claro ao afirmar que é necessário “deixar a raiva e a retórica dura para trás” e ao apelar à união. Após várias semanas de declarações falsas e infundadas de Trump sobre a legitimidade do processo eleitoral e a alegada fraude concebida para o prejudicar, Biden sublinha que esse discurso inflamado que Trump trouxe à política norte-americana vai passar à história — e que a Presidência voltará a ser sinónimo de seriedade e de serenidade.

Após um ano profundamente marcado por uma sucessão de crises — com a pandemia e as questões raciais à cabeça —, Biden diz que a sua primeira prioridade é “curar” o país através da união. O mandato de Donald Trump ficou marcado por uma resposta às crises baseada na crescente polarização da sociedade americana entre progressistas e conservadores, democratas e republicanos. Numa altura em que os números da pandemia da Covid-19 continuam a crescer a um ritmo galopante nos EUA, Biden promete uma nova abordagem enquanto Presidente.

Trump recusa perder, fala em fraude e repete os ataques de sempre a Biden e aos media

“Todos sabemos que Joe Biden se está a apressar para se apresentar falsamente como o vencedor, e os seus aliados nos meios de comunicação social estão a tentar de todas as formas ajudá-lo: simplesmente, não querem que a verdade seja exposta. O facto simples é que esta eleição está longe de estar acabada. Joe Biden não foi certificado como vencedor em nenhum estado, muito menos nos estados altamente contestados, onde vai haver recontagem dos votos, ou nos estados onde a nossa campanha tem processos judiciais válidos e legítimos em curso que podem determinar o vencedor. Na Pensilvânia, por exemplo, os nossos observadores legais não receberam acesso significativo para observarem o processo de contagem. Os votos legais decidem quem é o Presidente, não os meios de comunicação social.

A partir de segunda-feira, a nossa campanha vai começar a trabalhar no caso em tribunal, para garantir que as leis eleitorais são plenamente respeitadas e que o vencedor legítimo é empossado. O povo americano tem direito a uma eleição honesta: isso significa contar todos os boletins legais e não contar nenhum dos boletins ilegais. Essa é a única forma de assegurar que o público tem total confiança na nossa eleição. É chocante que a campanha de Biden recuse aceitar este princípio básico e queira os boletins contados mesmo que sejam fraudulentos, fabricados ou depositados por eleitores que não são elegíveis ou que já morreram. Só um partido envolvido na fraude iria, ilegalmente, impedir que os observadores entrassem na sala da contagem — e lutaria em tribunal para impedir o acesso.

Então, de que é que Biden se está a esconder? Não vou descansar enquanto o povo americano não tiver a contagem de votos honesta a que tem direito e que a democracia exige.”

Num sentido totalmente oposto, a mensagem da campanha de Donald Trump chegou ao mesmo tempo que o advogado Rudy Giuliani protagonizava uma conferência de imprensa em Filadélfia a prometer provas da fraude eleitoral que Trump tem alegado (sem provas) nos últimos dias. Em 2016, num tweet referindo-se a Hillary Clinton, Trump sublinhava a importância de “saber perder com dignidade”. Este ano, está a fazer tudo menos seguir o seu próprio conselho.

Apesar de não apresentar provas, Donald Trump continua a afirmar que a eleição foi fraudulenta e que os boletins de voto que chegaram por correio (e que deram a vitória a Biden) são inválidos e ilegítimos, mesmo estando previstos na lei.

Ao contrário do que historicamente aconteceu na democracia norte-americana, o candidato derrotado não congratulou o oponente pela vitória. Antes, acusou-o de se “apressar” para se apresentar falsamente como vencedor e repetiu os ataques de sempre aos meios de comunicação social, que diz serem “aliados” dos democratas. Importa aqui referir que a Fox News, uma estação habitualmente conservadora e considerado o canal favorito de Trump, também já declarou a vitória de Biden (e até tinha sido o primeiro meio de comunicação a declarar a vitória do democrata no estado do Arizona).

Ao dizer que a eleição está “longe de estar acabada”, Trump mostra-se firme na sua convicção de não abandonar a Casa Branca pelo seu próprio pé. O republicano promete lutar nos tribunais por todo o país para impugnar os resultados eleitorais nos estados que deram a vitória a Biden. Não é expectável que estes processos tenham algum efeito no resultado final: em vários estados, como a Georgia e o Michigan, juízes já recusaram os processos movidos pela campanha de Trump.