Quando o vinho foi engarrafado, em maio de 2011, o seu criador estava longe de imaginar que a apresentação seria feita em plena pandemia, com uma audiência composta por pessoas mascaradas (à exceção, naturalmente, do momento da prova). Considerando o portfólio atual, o Casa da Passarella Vindima 2009 é o vinho de mesa mais caro a ser lançado pela casa histórica — o preço de venda ao público está fixado em 195 euros — e Paulo Nunes, o enólogo, admite o paralelismo com outras referências do país em termos de valor, mas insiste que este reflete o investimento. Afinal, “há poucos topos de gama com este tempo de garrafa”.

A história do novo vinho da Casa da Passarella, fundada ainda antes da demarcação do Dão, região onde está inserida, não está isenta de coincidências curiosas que unem vinho e produtora centenária. O facto de o vinho ser lançado num ano tão atípico como 2020, depois de quase uma década em garrafa, faz lembrar outros detalhes simbólicos: “A Casa da Passarella foi fundada em 1892, ou seja, no período final da filoxera”, lembra Nunes, eleito “Enólogo do Ano” pela Revista de Vinhos e pela “Grandes Escolhas” em 2020 e em 2017, respetivamente.

Paulo Nunes foi eleito “Enólogo do Ano” pela Revista de Vinhos e pela “Grandes Escolhas” em anos diferentes (© DR)

A filoxera diz respeito a uma epidemia que dizimou inúmeras vinhas por todo o continente europeu. De acordo com o Instituto da Vinha e do Vinho, a praga apareceu inicialmente na região do Douro em 1865 e rapidamente espalhou-se por Portugal, destruindo a maior parte das regiões produtoras de vinho. É nesse sentido que Paulo Nunes realça a decisão corajosa de “apostar em plantar vinhas” dado “o trauma muito recente”. Mas há mais: “Durante a Segunda Guerra Mundial houve um período em que os vinhos eram feitos por um enólogo francês judeu e refugiado”, comenta. “Ainda hoje temos práticas introduzidas por ele”. Ainda hoje têm a “Coleção O Fugitivo” em homenagem a Monsieur Hellis.

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A saga continua, com Paulo Nunes a recordar ainda que a compra da Casa da Passarella pela família Cabral aconteceu em 2008, altura em que a crise económica teimou em esvaziar bolsos. “E em 2020 lançamos este vinho. A Casa tem uma energia muito própria e dá-nos sinais de que somos capazes de ultrapassar crise após crise.”

Um vinho para evoluir “mais 30 ou 40 anos” em garrafa

Ao Observador, o enólogo confirma que os pedidos já são superiores à quantidade do vinho. “Vai esgotar muito em breve”, confirma. Ainda assim, o Casa da Passarella Vindima 2009 vai estar disponível em garrafeiras e na restauração. Nos vinhos de topo, refere ainda, a produtora não sentiu quebra, mas o mesmo não se pode dizer face aos vinhos de gama inferiores, dada a crise que tende a afetar o poder de compra da classe média.

O vinho em questão começou a ser pensado em 2008 — a ideia era construir um rótulo simbólico que representasse de um modo geral a casa onde nasceu — mas esse ano de colheita em particular não correu como o esperado. “Não encontrámos conforto no 2008.” O problema resolveu-se na colheita seguinte: foram precisos 18 meses em barrica e quase dez anos em garrafa para aqui chegar. “O Dão tem de ter o seu lugar”, diz, defendendo que a região deve almejar o patamar que é sugerido com a criação deste vinho.

Considerando o portfólio atual da Casa da Passarella, este é o vinho mais caro da produtora

Há três ou quatro anos o vinho estaria imbebível pelo desarranjo de taninos. Há três ou quatro anos não estaria neste patamar de elegância que hoje felizmente atingiu. Não podem existir dúvidas em relação a este vinho”, explica.

Produzido a partir de uvas colhidas nas vinhas da Casa da Passarella, onde se incluem várias parcelas centenárias com mais de 20 castas autóctones, o vinho está assente numa ambição muito clara: aguentar muito tempo em garrafa, “pelo menos mais 30 ou 40 anos”, muito para lá da pandemia que tem paralisado o país e o mundo. “A minha opinião é que não há nenhum grande vinho no mundo que não passe pelo teste da longevidade.”