João Almeida precisa de mais tempo para assimilar que fez história na Volta a Itália, embora agora, depois de tantas homenagens e elogios dos portugueses, acredite que o ciclismo nacional possa alcançar uma nova e maior projeção.

Durante três semanas, aquelas em que esteve em Itália a lutar pela vitória no Giro, o ciclista da Deceuninck-QuickStep viveu numa bolha, mas, duas semanas depois de aterrar em Portugal, vindo de Milão, onde alcançou o melhor resultado de sempre de um português na prova, o jovem de A-dos-Francos começa finalmente a ter a perceção da euforia nacional motivada pelos seus 15 dias de maglia rosa.

É o público, são as pessoas que fazem o ciclismo. Ter este reconhecimento, mesmo na rua, ter estas entrevistas, e o carinho que as pessoas dão, é assim que também se vê o feito que fizemos. Estou muito orgulhoso de ser português e pelo apoio de todos os portugueses. Foi um sonho tornado realidade. Nunca pensei. Superei todas as expectativas que tinha e estou muito feliz, obviamente. Ser o melhor português no Giro é fazer história e, com a minha idade, fazer história… isto ainda vai demorar mais algum tempo a assimilar”, confessou.

Em entrevista à agência Lusa, João Almeida reiterou, a cada oportunidade, o orgulho sentido pelo apoio dos portugueses, mas também o quão agradecido está a todos eles, assim como à sua equipa, aos colegas, a Ruben Guerreiro… em suma, a todos e a qualquer um que contribuíram para o seu quarto lugar na geral final do Giro.

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“Quando chegámos a Portugal, tivemos logo a conferência no aeroporto [de Lisboa] e muitas pessoas a apoiar. Nunca pensei viver isso. Pusemos o ciclismo nas primeiras páginas dos jornais, o que acho que já há muitos anos não acontecia. Podemos estar orgulhosos daquilo que fizemos, eu e o Ruben. E venham mais”, reforçou, sem nunca esquecer o compatriota, coroado rei da montanha da corsa rosa, na repartição dos louros.

O corredor de 22 anos ia tendo “uma noção” da amplitude dos seus feitos através das redes sociais, e também da mãe, Ana, que lhe enviava “muitas notícias e fotos”, contudo, só quando a febre rosa invadiu o país, com cidades e pessoas vestidas com a cor que envergou durante 15 dias, entendeu a verdadeira dimensão do orgulho nacional.

Eu e o Ruben projetámos o ciclismo internacionalmente, não só em Portugal, mas principalmente em Portugal. Daqui para a frente, acho que conseguiremos fazer mais e mais, porque só custou quebrar aquele gelo e pôr os olhos em nós. A partir de agora, se continuarmos com os bons resultados, e a fazer boas corridas, projetaremos ainda mais o ciclismo português. [Conquistámos] adeptos de todas a idades, especialmente os mais novos, o que é positivo para promover o desporto, não só o ciclismo”, avaliou.

Olhando para trás, para aquelas semanas felizes no Giro, o ciclista da Deceuninck-QuickStep garante que não alteraria nada, porque fez “tudo o que tinha a fazer”.

“Todas as noites dormi bem, comi bem, tive sempre uma equipa ao meu lado. Acho que podemos estar todos satisfeitos com o resultado final. Não havia assim muito a mudar, simplesmente temos de ficar mais fortes para conseguir um resultado melhor, no pódio”, analisou, refutando as críticas ao italiano Fausto Masnada, seu colega de equipa, repetidamente acusado, sobretudo por adeptos portugueses, de não trabalhar para o seu líder.

“As pessoas tendem sempre a dizer essas coisas, mas, para mim, foi um grande colega de equipa, ajudou-me em vários dias, não só nas montanhas. Para mim, ele fez um grande trabalho, estou muito agradecido a ele, porque me ajudou bastante, e é um grande corredor”, salientou.

Os elogios de João Almeida estenderam-se a Ruben Guerreiro (Education First), sempre presente para lhe dar “aquela força mental”. “Quando chegávamos às montanhas, dava-me um pouco de calma, a dizer que conseguia ficar na frente, a dar conselhos. Às vezes, ajudava-me a posicionar um pouco, também já tinha estado na fuga, já não conseguia fazer muito mais — a luta para a fuga e para a montanha é muito dura”, notou.

Para a história ficará, além do seu quarto lugar, a “pequena amizade” que desenvolveu com Vincenzo Nibali, um senhor da modalidade, e um dos dois ciclistas em atividade a ter vencido as três grandes Voltas.

“Desde o início da corrida, falava um pouco com o Nibali, trocávamos umas palavras, depois notava que, de dia para dia, falávamos cada vez mais. Ele sempre foi um grande ciclista, já ganhou as três grandes Voltas mais do que uma vez, é um dos maiores de sempre. É ótimo ter esse reconhecimento dele. [Para mim] ainda cresceu mais como pessoa. É inexplicável”, assumiu.

Conquistado o Tubarão do Estreito, Almeida recebeu o apoio do italiano, até porque sempre foi sincero com ele. “Às vezes, na brincadeira, dizia-lhe: não estou com grandes pernas. Ele motivava-me e dizia ‘estamos todos assim, sem stress, dá o teu melhor, continua a lutar’. No ciclismo, não falamos muito, mas dizemos ali poucas palavras, que naquela altura se sentem bastante”, concluiu.