Apesar de se mostrar contra aos alegados ataques informáticos de Rui Pinto à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e defender que a “informação obtida de forma ilegal não deveria ter sido divulgada”, o presidente Fernando Gomes admite no entanto que o Football Leaks, a maior fuga de informação do futebol “possa ter tido alguma influência” positiva. Questionado pelos advogados de Rui Pinto sobre se os documentos divulgados no site criado por Rui Pinto contribuíram para a verdade desportiva, Fernando Gomes disse:

Essa informação obtida de forma ilegal não deveria ter sido divulgada. Numa perspetiva global, tenho que admitir que possa ter tido alguma influência nesse sentido [para contribuir para verdade desportiva]”.

Ouvido como testemunha esta terça-feira naquela que é a 23.ª sessão do julgamento do caso Football Leaks, Fernando Gomes defendeu que os “acordos entre entidades privadas a elas dizem respeito”, mas não vê “nenhum problema” na divulgação.

Não tenho nenhum problema em aceitar a divulgação total dos contratos [de jogadores e treinadores], mas na forma normal de os tramitar não são divulgados”, disse o presidente da FPF.

Fernando Gomes contou ao tribunal que só teve conhecimento dos alegados ataques informáticos mais e meio ano depois de terem ocorrido: só no verão de 2019, uma vez “questionados pela Polícia Judiciária relativamente à identificação daquilo que foi apreendido da detenção [de Rui Pinto]”. “Até essa data, nós não tínhamos objetivamente conhecimento que os nossos servidores tinham tido acessos ilícitos“, disse o líder federativo.

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Fernando Gomes foi chamado pelo Ministério Público como testemunha, mas também pelos advogados de Rui Pinto

A testemunha assumiur que a FPF já tinha ficado “na dúvida”, em julho de 2018, quando foram divulgados dois contratos de jogadores do Benfica, se o organismo pudesse estar na origem da informação. “Quando isso aconteceu fizemos uma participação à PJ contra desconhecidos, porque não sabíamos quem se tinha intrometido nos sistemas nem se tinha sido através da FPF. Não sabíamos em que momento tinha havido a intromissão”, disse.

O presidente da FPF disse que “de uma forma geral a informação [acedida] é sigilosa” e que tem “dotado” as infraestruturas da Federação “de máxima segurança”. Ainda assim, reconhece: “Temos o dever de transparência”. “É como se sentíssemos que a nossa casa estava a ser roubada. Numa instituição como a FPF, a informação que tem à sua guarda deve ser preservada e não partilhada”, disse ainda.

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Na sessão da manhã foram ainda ouvidos os advogados Nuno Barnabé e Inês Almeida Costa e secretária da sociedade de advogados PLMJ Lina Peres. O diretor de tecnologia da FPF, Hugo Freitas, também começou a ser ouvido, mas a inquirição prosseguirá no dia 19 de novembro. O julgamento prossegue agora no próximo dia 18 de novembro com a audição de José Luís Cristóvão, especialista informático da PJ, e as testemunhas dos assistentes do processo João Medeiros e Inês Almeida Costa.

Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à PGR. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra ou o advogado José Miguel Júdice. São, assim 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.

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O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril deste ano, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juiz Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas — decidiu colocá-lo em liberdade. O alegado pirata informático deixou as instalações da PJ no início de agosto e a sua morada atual é desconhecida.