A secretária de Estado do Orçamento considerou, em entrevista à Lusa, que caberá mais ao Bloco de Esquerda (BE) ultrapassar o diferendo com o Governo relativamente aos diferentes números apresentados na discussão orçamental sobre a Saúde.

“A demonstração destes dados poderá, de alguma forma — mas isso até caberá bastante mais ao Bloco de Esquerda — ser um motivo para ultrapassar a questão e para nos focarmos naquilo que me parece essencial”, disse Cláudia Joaquim à Lusa, respondendo acerca do diferendo que o Governo e o BE mantiveram na discussão orçamental acerca do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Segundo a governante, da parte do Governo, e além do SNS, “a abertura manteve-se sempre” à negociação durante a discussão na generalidade, sendo importante “que haja uma intenção de convergência e de negociação, e da parte do Governo ela existe”, assegurou Cláudia Joaquim.

No dia 23 de outubro, a deputada do BE Mariana Mortágua questionou o Governo acerca dos números do Serviço Nacional de Saúde, afirmando que as tabelas presentes no relatório do OE2021 “estavam pura e simplesmente erradas“, tendo o ministro das Finanças, João Leão, justificado a diferença com questões metodológicas.

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A deputada do BE disse então que o OE2021 “concede, em valores orçamentados, para o Serviço Nacional de Saúde, menos 143,6 milhões do que estava previsto no Orçamento Suplementar”, tendo o ministro respondido que o orçamento total do SNS aumenta mais de 1.000 milhões de euros, e comparando com o suplementar há um aumento superior a 500 milhões de euros.

No dia 28, o ministro disse que o BE se enganou nas contas, argumentando que o reforço aprovado no Orçamento Suplementar de 2020 não veio exclusivamente de transferências do OE, algo que o BE, segundo João Leão, não teve em conta, acrescentando que no OE2021 “o BE também não quer reconhecer” que haverá verbas para a saúde vindas “dos novos fundos europeus, nomeadamente do programa REACT”.

À Lusa, a secretária de Estado do Orçamento disse que a tabela em discussão no plenário, geradora da discórdia, “não inclui os fundos comunitários”.

Em números posteriormente dados a conhecer pelo Ministério das Finanças, e que não constam do Orçamento do Estado, foi divulgado que, com a inclusão dos fundos comunitários no orçamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o valor previsto no OE2021 para o SNS ascende aos 12.106 milhões de euros, superiores aos 11.300 milhões com que o SNS ficou depois da aprovação do orçamento suplementar de 2020, e aos 10.055 milhões de 2019.

Em anos anteriores, “os dados não vinham a ser apresentados de uma forma integrada, [com o] Serviço Nacional de Saúde com todas as fontes de financiamento”, reconheceu à Lusa a secretária de Estado, justificando que “por isso não consta, no mapa, no relatório, essa informação dessa forma”.

Foi muito importante trazer esses dados, neste contexto, para se poder explicar e demonstrar que houve um aumento significativo do orçamento no Serviço Nacional de Saúde ao longo dos últimos anos”.

Cláudia Joaquim referiu ainda que “o Orçamento do Estado e o Relatório do Orçamento do Estado Suplementar não tinha esta informação” porque “não foi um relatório extenso” e teve, “de facto, menos informação do que os relatórios que acompanham o Orçamento do Estado todos os anos”.

Se me pergunta, no próximo Orçamento do Estado, no próximo relatório, é importante que possa vir um quadro adicional onde possa ter a informação com todas as fontes de financiamento, que é o que temos vindo a falar? Não tenho dúvidas que sim. E esse quadro deverá constar exatamente para não surgirem as mesmas questões”.

Outro dos diferendos entre Governo e BE na saúde foi relativo à comparação da despesa prevista no OE2021 com a estimativa de execução para 2020, e a governante, questionada se tal comparação é razoável de ser feita, respondeu que “tudo é possível e deve ser comparado desde que tenhamos em mente o que estamos a comparar”.

No entender de Cláudia Joaquim, “orçamentos iniciais, que é a dotação disponível para cada ano que se está a iniciar, ou no caso do suplementar, a partir do mês que entra em vigor até ao final desse ano, são comparáveis“, de forma a “permitir fazer a leitura se há um aumento da dotação disponível, [ou] se há um decréscimo”.

Depois temos o conceito de execução, que é o que é efetivamente pago. E nesse caso, e não é só no Serviço Nacional de Saúde, é em todos os ministérios, o orçamento inicial tem de acomodar todos os pagamentos e também os compromissos que são assumidos”.

Porém, “não existe nenhum ministério onde o orçamento inicial seja utilizado, em despesa, a 100%”, existindo sim “algumas medidas que são utilizadas a 100%, que a execução é 100%, mas no total não acontece porque é preciso ter uma margem para os cabimentos, para lançar procedimentos concursais”, sendo este procedimento “o normal”.

Já o tema das contratações de pessoal para o SNS, que também gerou discórdia, foi “um dos temas de negociação com os partidos à esquerda” na negociação do OE2021 e “será naturalmente um dos aspetos a continuar a negociar” na especialidade, antecipa Cláudia Joaquim.

Manutenção do caráter extraordinário dos apoios sociais

A secretária de Estado do Orçamento vincou que o apoio social extraordinário previsto no Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) deve manter esse caráter e não tornar-se permanente, contrariando as intenções do BE.

“O importante é que ele [o apoio] seja extraordinário porque depois haverá oportunidade de avaliar qual foi o seu impacto, o seu efeito, e repensar as atuais prestações. Isso faz parte da política e da avaliação das medidas de política”, disse, em entrevista à Lusa, a secretária de Estado Cláudia Joaquim.

A governante, que já liderou a secretaria de Estado da Segurança Social no anterior Governo (2015-2019), referia-se ao Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores, que foi inicialmente orçado em 450 milhões de euros para 2021 e que o Governo, entretanto, alargou para 633 milhões de euros.

Uma das reivindicações do BE para o Orçamento, além de diferenças nas formas de atribuição do apoio, era que este se tornasse uma nova prestação social a ser avaliada no final do ano, ajustada em 2022 e tornada definitiva em 2023, último ano da legislatura, podendo absorver as outras prestações não contributivas.

“O que me parece prematuro é quando se cria uma prestação desta dimensão estar já a assumir que ela é permanente quando ainda nem sequer se avaliou“, disse Cláudia Joaquim à Lusa, quando questionada acerca desta intenção inicial do BE.

Um dos argumentos da governante é que a “estimativa de despesa desta prestação nunca seria esta num contexto que não fosse este”, relacionado com a pandemia de Covid-19, tal como sucede com outras prestações sociais.

E quando for possível avaliá-lo, penso que fará também sentido olhar para este apoio à semelhança dos outros que já existem, e ver como é que se deve recompor as prestações sociais de combate à pobreza e de rendimentos baixos”.

Cláudia Joaquim abordou mais algumas das questões que o BE reivindica para o Orçamento e que estiveram no centro da discórdia entre o partido e o Governo, levando também ao voto contra dos bloquistas na votação da generalidade do OE2021.

Relativamente à reivindicação da reversão das regras de atribuição do subsídio de desemprego para o período antes da Troika, a secretária de Estado reconhece que, “quando é referido que antes da troika o prazo de atribuição do subsídio de desemprego é maior, é verdade, mas o prazo de garantia [tempo de trabalho necessário para aceder ao subsídio] também era maior”.

Segundo a governante, isto significa que “havia menos pessoas a conseguir aceder ao subsídio de desemprego”, pelo que para este continuar a existir enquanto substituto dos rendimentos do trabalho “num quadro de sustentabilidade da Segurança Social, não se pode mudar só uma variável, ela tem que ser equilibrada”.

Já sobre o alargamento da condição de recursos para acesso ao subsídio social de desemprego, Cláudia Joaquim disse que o apoio “pressupõe que há uma contributividade, ou que houve”, “mas é uma prestação paga por Orçamento do Estado, por receitas de impostos”, e que por isso exige a condição de recursos.

A própria lei de bases da Segurança Social tem estes princípios muito vincados. Portanto, também é nesse contexto que o próprio subsídio social de desemprego deve ser avaliado ou reavaliado”.

A proposta de Orçamento de Estado para 2021 foi aprovada na generalidade, com os votos favoráveis do PS e as abstenções do PCP, Pessoas-Animais-Natureza (PAN), Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) e das deputadas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues.

O PSD, BE, CDS-PP e os deputados únicos do Chega, André Ventura, e da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, votaram contra o diploma do executivo.

A votação final global está marcada para 26 de novembro.